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CARLOS HEITOR CONY
Briga na Lagoa
RIO DE JANEIRO - Ninguém me
contou: eu vi. O sujeito caminhava
pela orla da Lagoa, num passo esforçado, a camisa empapada de
suor, a respiração de quem vinha
de longe e ia para mais longe ainda.
De repente, um outro homem
que vinha em sentido contrário
deu-lhe um soco. Os dois rolaram
no chão. A coisa mais próxima deles era eu. Poderia fazer alguma coisa, mas preferi ver como aquilo iria
acabar.
Deviam ter seus motivos, o que
batia e o que apanhava. Não sou de
me meter em brigas alheias, e só
brigo quando não tenho mesmo
alternativa.
Parei a uma distância prudente e
fiquei apreciando. Os dois deviam
ser conhecidos antigos. Mais: deviam ter algum tipo de intimidade.
Nada diziam, só se esbofeteavam,
tentavam se esganar um ao outro.
Briga por mulher? Por dívida não
paga? Não dava para ver a cara deles, de maneira que fiquei nessas
duas hipóteses. Ambas justificavam aquela luta que de repente parou. Ainda sentados no chão, os
dois me olharam com raiva.
Levantaram-se, limparam a terra
que se grudara nos corpos suados,
um deles sangrava na boca. Olharam mais uma vez para mim, como
se eu fosse o culpado de tudo ou tivesse estragado uma festa deles. E
voltaram a caminhar cada um para
um lado.
Aí quem ficou com o problema
fui eu. Para que lado deveria ir? Se
acompanhasse um deles, poderia
significar uma espécie de solidariedade e amanhã o outro camarada
poderia me agredir por conta disso.
Tomei a iniciativa de ficar parado,
esperando que os dois se afastassem dali.
Até que senti um peso na consciência. Eu devia ter entrado na briga também, batendo e apanhando,
como nos filmes do cinema mudo,
em que todos brigavam por brigar.
Seria uma forma de purgar meus
pecados. Talvez seguisse meu caminho com uma culpa a menos.
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