São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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BORIS FAUSTO

A Copa vista de longe

Cometi um pecado grave, pelo qual me penitencio: pela primeira vez na vida, acompanhei a Copa fora do Brasil. Explico, mas não justifico. Combinei uma viagem em março, quando tudo andava mal e só "quem não entendia de futebol" acreditava, por razões de fé, na seleção brasileira.
Alguém poderia dizer que, salvo os poucos que foram à Coréia e ao Japão, todos nós vimos a Copa de longe. Mas não é bem assim. A distância não é geográfica. Viu de perto quem participou da ansiedade de milhões, à espera da madrugada, quem soltou rojões ou os acompanhou com entusiasmo, quem ouviu os mil comentários do Casagrande, Júnior, Rivelino etc. e até quem se embalou na voz do Galvão Bueno.
Perdi tudo isso, tanto mais que fui para um país estranho, em que o jogo de uns grandalhões, batendo numa bolinha com um bastão e correndo de um lado para outro, desperta enorme entusiasmo. No silêncio absoluto do fim dos jogos, tinha vontade de ir de porta em porta e gritar "o Brasil ganhou", como é que vocês nem se dão conta disso?
Mas é possível extrair algumas vantagens de ver tudo por meio de um olhar distante. Os locutores que transmitiam os jogos em espanhol -muito simpáticos, dizendo que tratariam de manter a objetividade, mas que simpatizavam com os brasileiros- fizeram belas confusões, chamando indiferentemente a seleção de equipe brasileira, verde e amarela ou carioca. Não faltaram também os arroubos metafóricos, não fossem eles mexicanos, do gênero "viene el ataque de Brasil con ímpeto amazónico".
Na imprensa americana, destacaram-se uns poucos comentaristas esportivos fanáticos por futebol, com a paixão característica daqueles que aderiram a uma seita minoritária. Vocês já imaginaram alguém, aqui no Brasil, propondo-se a explicar por que o futebol é o esporte coletivo mais belo do mundo? Seria como explicar que quem não aspira o ar, morre.
Pois esses bravos comentaristas se dedicaram à tarefa, arrasando a maioria que critica o futebol por ser um jogo em que, salvo o goleiro, não se pode usar as mãos, típico exemplo de preconceito anatômico. Disseram ainda que quem acha complicada a regra do impedimento, embora entenda perfeitamente as regras do beisebol e do futebol americano, sofre de bloqueio mental. Lamentaram ainda a estreiteza daqueles que nunca sentiram o prazer de aguardar, no peito e na garganta, a explosão de um gol raro, prazer infinitamente maior do que o de festejar uma sucessão de cestas.
Nas páginas esportivas dos jornais, o futebol acabou ganhando algum destaque e, como tudo era fornecido com parcimônia, as imagens ganharam maior impacto. Por exemplo, passei vários minutos olhando uma foto do Ronaldo, que parecia voar para a glória, nos ombros do Vampeta. E foi bom ler a saga do Ronaldo -quase transformada em novela à margem do título-, os elogios à qualidade dos jogadores e à capacidade organizatória do Big Phil. Big Phil? Pois é, naturalmente, o Felipão.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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