São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Minha máxima culpa

RIO DE JANEIRO - No início deste mês, fui entrevistar um preso que cumpre pena num presídio de segurança máxima. Estou fazendo um trabalho para a editora Objetiva e precisava ouvir o prisioneiro que pertencera ao Serviço Secreto de um país vizinho e teria informações sobre o assunto que me interessava.
Cumpri a rotina, obtive a autorização do preso, de suas advogadas e das autoridades judiciárias, enfrentei o cidadão -que se parece bastante com o Armínio Fraga. Estranhei que ele viesse algemado, mas um guarda me explicou que as algemas faziam parte da rotina carcerária.
A conversa durou horas. Fiquei sabendo que, ao entrar na prisão, cada detento recebe um regulamento feito pelos próprios presidiários, uma espécie de lei dentro da lei. Por exemplo, nenhum preso pode olhar para a mulher de outro preso nos dias de visitas íntimas. Se olhar, aparece morto na mesma noite.
Os telefones celulares são proibidos, mas todos possuem um, dois ou até três aparelhinhos. Perguntei como isso era possível. O cidadão me olhou com descrença. "Se vocês lá fora soubessem o que se passa aqui dentro, nem o papa, nem o Dalai Lama escapariam. Todos são cúmplices de uma forma ou outra".
No meio da conversa, que envolvia assuntos políticos, confessei que já estivera preso seis vezes, embora em regime que não era de segurança máxima.
Ele me olhou desconfiado. Estranhou as perguntas que eu fazia e acabou me esculhambando: "O senhor esteve preso tantas vezes e não aprendeu nada".
Lembrei uma frase do ex-ministro do STF, Nelson Hungria, penalista famoso que me defendeu num processo exatamente no Supremo. Ele dizia que as penitenciárias eram "universidades do crime".
Realmente, pouco ou nada aprendi, não apenas na prisão, mas nas escolas que frequentei. Mas a culpa não deve ser nem das prisões nem das escolas. A culpa deve ser minha.


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