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ELIANE CANTANHÊDE
A vaia
BRASÍLIA - Nunca antes neste
país, digo, nos Jogos Pan-Americanos, o presidente do país anfitrião
foi tão vaiado e impedido de fazer o
discurso de abertura como aconteceu com Lula no Maracanã. Seria
um palanque para milhões no continente. O palanque ruiu.
Desde 1951, quando Perón abriu
o primeiro Pan na Argentina, todos
os presidentes fazem o discurso,
não importa se Bush, da maior potência, ou Fidel, da isolada Cuba.
Até nisso o Brasil é diferente.
Lula foi vaiado seis vezes, desde
que botou o pé no estádio. Nem sua
vibrante gravata vermelha desviava
a atenção da expressão tensa, pesada. Chegou a pegar o microfone e as
folhas do texto, mas simplesmente
evaporou na hora do discurso. Um
momento histórico.
O 13 de julho confirma a fama do
Maracanã de vaiar sempre e mostra
que o Rio de Janeiro continua lindo, irreverente e implacável. O Estado deu a Lula retumbantes vitórias (79% em 2002 e 70% em 2006)
e uma das suas mais constrangedoras vaias em 2007. O Pan deveria ter
sido no Nordeste...
O episódio ficará no ar, nas páginas e nos papos de gabinete e de botequim por um bom tempo, com
discussões acaloradas, pró e contra,
e um carnaval de versões tão coloridas quanto o próprio espetáculo.
Lula desistiu do discurso? Um assessor decidiu preservá-lo de vaia
maior? Ou Nuzman atropelou o
protocolo? Mas são detalhes. O fundamental todo mundo viu.
Lula, seus assessores, seus endeusadores e seus demolidores devem abandonar por um tempo a
paixão que cega para refletir sobre o
fenômeno: como um presidente
com mais de 60% de popularidade é
vaiado numa festa sem fronteiras?
O temor é de um racha na sociedade, não tão grave, mas semelhante ao da Venezuela: aplausos dos
pobres do Bolsa Família e do Nordeste, vaias da classe média e dos
que podem pagar caro pelo Pan no
Sul-Sudeste. Não é bom prenúncio.
elianec@uol.com.br
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