São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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ELIANE CANTANHÊDE

A vaia

BRASÍLIA - Nunca antes neste país, digo, nos Jogos Pan-Americanos, o presidente do país anfitrião foi tão vaiado e impedido de fazer o discurso de abertura como aconteceu com Lula no Maracanã. Seria um palanque para milhões no continente. O palanque ruiu.
Desde 1951, quando Perón abriu o primeiro Pan na Argentina, todos os presidentes fazem o discurso, não importa se Bush, da maior potência, ou Fidel, da isolada Cuba. Até nisso o Brasil é diferente.
Lula foi vaiado seis vezes, desde que botou o pé no estádio. Nem sua vibrante gravata vermelha desviava a atenção da expressão tensa, pesada. Chegou a pegar o microfone e as folhas do texto, mas simplesmente evaporou na hora do discurso. Um momento histórico.
O 13 de julho confirma a fama do Maracanã de vaiar sempre e mostra que o Rio de Janeiro continua lindo, irreverente e implacável. O Estado deu a Lula retumbantes vitórias (79% em 2002 e 70% em 2006) e uma das suas mais constrangedoras vaias em 2007. O Pan deveria ter sido no Nordeste...
O episódio ficará no ar, nas páginas e nos papos de gabinete e de botequim por um bom tempo, com discussões acaloradas, pró e contra, e um carnaval de versões tão coloridas quanto o próprio espetáculo. Lula desistiu do discurso? Um assessor decidiu preservá-lo de vaia maior? Ou Nuzman atropelou o protocolo? Mas são detalhes. O fundamental todo mundo viu.
Lula, seus assessores, seus endeusadores e seus demolidores devem abandonar por um tempo a paixão que cega para refletir sobre o fenômeno: como um presidente com mais de 60% de popularidade é vaiado numa festa sem fronteiras?
O temor é de um racha na sociedade, não tão grave, mas semelhante ao da Venezuela: aplausos dos pobres do Bolsa Família e do Nordeste, vaias da classe média e dos que podem pagar caro pelo Pan no Sul-Sudeste. Não é bom prenúncio.

elianec@uol.com.br


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