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Lei seca
OTAVIO FRIAS FILHO
"Melhor morrer de vodca que de tédio."
Maiakóvski
A partir desta madrugada os bares
da cidade de São Paulo têm de fechar à
1h da manhã. Objetivamente, a nova
lei favorece os que não se divertem, os
mais velhos e os mais ricos em detrimento dos que (ainda) se divertem,
dos jovens e dos pobres, pois só fecham os bares que não têm estacionamento, isolamento acústico e vigias.
Não ocorreu às autoridades alguma
fórmula conciliatória, que em certos
corredores da cidade ou dias da semana, por exemplo, os bares tivessem licença para permanecer abertos, providência nem tão frívola numa metrópole desprovida de interesse turístico e
orgulhosa de sua "vida noturna". Era
outro o propósito da medida.
Embora simpática aos chefes de família em geral, importunados pelo
"agito", a lei se destina mesmo é a coibir o consumo do álcool nos bairros
pobres, onde não há manobrista, contendo a violência na ponta extrema
das consequências, enquanto as causas correm à solta. Tudo a cargo da honorável fiscalização pública de São
Paulo.
É possível que a lei contribua para reduzir o número de crimes violentos
(parte deles será cometida mais cedo).
Tanto melhor; mas a providência ainda assim é antipática, faz lembrar as
convulsões de disciplina fabril que levaram a Inglaterra e os Estados Unidos a ter suas leis secas e torna São
Paulo uma cidade ainda mais triste.
Na Revolução Industrial, o problema
era tirar os camponeses do estado que
Marx chamou de "idiotia rural" e tangê-los ao trabalho extenuante em que
deveriam estar sóbrios para não danificar as máquinas. Já na lei seca paulistana a idéia é prevenir que os jovens se
anestesiem não das penas do trabalho,
mas da falta dele.
Há épocas em que as pessoas se atiram ao mundo material, dedicando-se a obter dinheiro e sucesso, há outras
em que elas se voltam para suas fantasias (ou sonhos): se isso for verdade a
época atual é do primeiro tipo. Nossa
lei seca está, sem que seus autores o
saibam, em consonância com esse espírito utilitário e produtivista.
Todos os hábitos saudáveis em torno da abstinência de álcool, fumo, colesterol, açúcar, sal etc. só podem ser
avaliados em função da expectativa de
vida. Conforme ela cresce, em resultado do progresso da ciência e das condições de saúde pública, tanto mais
vantajosa, estatisticamente, é a adoção
de uma vida frugal.
Não é à toa que o tabagismo se difundiu nas trincheiras das duas guerras mundiais. "Vale" a pena fumar se
você não sabe se estará vivo amanhã,
mas, como disse Homero, alguém sabe? É como se a alternativa fosse entre
mais prazer em menos tempo, ou
mais tempo com menos prazer. A
maioria aposta na segunda opção.
Celso Pitta se agarrou à paternidade
da nova lei como um náufrago a uma
tábua. Caso típico de governante em
desespero de causa, ele se arvora em
paladino da lei e da ordem na tentativa
de reter apoio na base reacionária, ressentida, afascistada de onde emergiu o
malufismo, escola política da qual ele
é a última flor.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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