São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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EDITORIAIS

DESIGUALDADE RENITENTE

A pesquisa sobre as condições sociais e econômicas das famílias brasileiras recentemente divulgada pelo IBGE traz informações à primeira vista conflitantes. Vários dados levantados pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), relativos a 2001, retratam a continuidade de um avanço, lento, mas progressivo, do acesso a bens de consumo duráveis, à escola, à rede de esgotos. Em paralelo, no entanto, a renda média real dos trabalhadores prosseguiu em queda, acumulando retração de 10,3% entre 1996 e 2001.
Mais um paradoxo é que essa queda da renda dos trabalhadores foi acompanhada por ligeiro recuo da concentração de renda. Segundo o IBGE, aumentos reais do salário mínimo nos últimos anos (concedidos a partir de pressões do Congresso Nacional) podem ser importantes para explicar esse contraste.
A maioria dos movimentos observados na comparação de 2001 com 1999 (ano da PNAD anterior) representa a continuidade de tendências presentes na década de 1990. Esse conjunto de movimentos combina uma modernização do padrão de consumo das famílias; um crescente acesso a bens e serviços próprios da vida urbana; e a persistência de desigualdade econômica muito aguda.
Embora seja evidente que a imitação do padrão de consumo do Primeiro Mundo tenha avançado muito mais entre as camadas de renda média e alta, é inegável que parcela da população de baixa renda obteve acesso a bens emblemáticos da modernidade (como o telefone celular). Contribuíram para isso o renascimento do crédito ao consumo propiciado pela redução da inflação, bem como o barateamento relativo desses bens (fenômeno global, associado ao desenvolvimento tecnológico).
A urbanização, embora caótica, e o gasto público social, constrangido pelas restrições fiscais, mas empurrado pelas determinações da Constituição, produziram progressos.
No entanto, a despeito da percepção de avanços, não predomina a sensação de que tenha aumentado de modo sensível o bem-estar da população. É difícil imaginar que isso não guarde forte relação com a elevada tensão social, da qual a criminalidade é talvez o sintoma mais proeminente. Seria equivocado dissociar a criminalidade dos efeitos sociais e psicossociais produzidos pela persistência da desigualdade de renda.
A desigualdade e a violência não são fenômenos recentes, muito menos restritos ao Brasil. São marcas da América Latina como um todo. A crise econômica que se alastra pelo continente expressa o fracasso do modelo econômico que se ancorava na farta disponibilidade de capitais externos e prometia, por meio da liberalização da economia, estabilizar os preços e reduzir as desigualdades.
A inflação caiu, a desigualdade não -como constatam o IBGE, no Brasil, e a Cepal, na América Latina. E agora a disponibilidade de capitais externos diminuiu muito. A necessidade de redefinir o modelo de política econômica está posta. A despeito de todas as dificuldades, cabe cobrar que nessa redefinição a ênfase na redução da desigualdade de renda vá, enfim, além da retórica.


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