São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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EDITORIAIS

GENÉTICA NA PRATELEIRA

Pelo menos no Reino Unido, a polêmica já se instalou. Testes genéticos podem ser vendidos em farmácias sem receita médica ou pela internet? A Comissão de Genética Humana britânica iniciou um processo de consulta pública para definir se os testes devem ser objeto de algum tipo de controle oficial.
Novas técnicas de análise de DNA permitem o desenvolvimento de testes relativamente simples para saber se alguém é portador de genes que -acredita-se- estão associados a diversas moléstias, incluindo alguns tipos de câncer. Também é possível, em princípio, traçar o perfil genético de uma pessoa para oferecer-lhe aconselhamento personalizado. Qual é a dieta que melhor se encaixa a seu padrão de genes, por exemplo. Como não existe regulamentação sobre o assunto, algumas empresas já estão oferecendo testes desse tipo.
Uma vez que não há nenhum risco físico envolvido na realização desses testes, não haveria razão para impedir o livre acesso a eles. Mas as coisas não são tão simples. Em primeiro lugar, algumas dessas companhias podem estar vendendo gato por lebre. O fato de alguém possuir genes supostamente ligados a certos cânceres é um dado que, isoladamente, significa pouco. Cientistas estão agora revendo o papel dos genes associados ao câncer de mama, por exemplo. O novo consenso é o de que a importância desses genes foi superestimada nos últimos anos. Para que um teste dessa natureza tenha valor preditivo, é preciso analisar história familiar, hábitos e outros fatores.
No caso dos perfis genéticos para aconselhamento de dietas ou exercícios, a precariedade dos testes é ainda maior. Embora a tese faça sentido teórico, o nosso conhecimento genético ainda é muito precário para sustentar a pretensão dos fabricantes.
Existem situações, porém, em que o teste é 100% infalível. É o caso das moléstias ligadas a um único gene, como a doença de Huntington (DH). É um distúrbio cerebral degenerativo. Costuma manifestar-se na quinta década de vida dos portadores e não tem cura. Não adianta alguém descobrir com 20 ou 30 anos de antecedência que vai padecer desse mal.
Na verdade, a utilização de testes genéticos enseja questões éticas. É preciso, por exemplo, que exista uma política de privacidade. Se os planos de saúde tivessem acesso a perfis genéticos dos segurados, poderiam discriminar os pacientes que não querem, como aqueles com propensão a sofrer de moléstias "caras".
Desavenças sobre a informação genética podem dar-se mesmo dentro de uma família. Se alguém descobre que tem DH, por exemplo, já está automaticamente informando irmãos e filhos de que eles poderão desenvolver a moléstia -e sem que eles tenham sido consultados sobre o teste.
Desde que devidamente informados, deve-se facultar aos cidadãos o direito de perscrutar seus próprios genes. Mas esse é um terreno delicado, que não pode prescindir de regulamentação. Já é hora de, também no Brasil, dar-se início aos debates.


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