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ANTONIO DELFIM NETTO
Auditoria rigorosa dos mitos
Depois de anos de congelamento do "espírito de desenvolvimento", é preciso prestar atenção à delicadeza da situação que vivemos e
aos riscos que corremos quando aceitamos posicionamentos dogmáticos.
O terror que o crescimento econômico do segundo trimestre do ano
(5,7%) produziu nos "falcões-economistas" empoleirados no sistema financeiro é um bom exemplo dos males que podem advir de tais dogmatismos.
Combinado com o crescimento de
2,7% do primeiro trimestre sobre o
seu homólogo de 2003, o primeiro semestre de 2004 apontou um crescimento de 4,2%. Se o ano prosseguir
seu curso normal, e se se repetirem as
variações estacionais dos últimos 20
anos, não errará muito quem afirmar
que o ano de 2004 provavelmente revelará um crescimento em torno de
4,8%. Por que então tanto pavor? Apenas porque desde 1992/93 não se vê
um crescimento dessa magnitude sem
déficits em conta corrente!
Apoiado em estatísticas extremamente duvidosas e em modelos mais
do que discutíveis, o Banco Central e
os "economistas-falcões" que se retroalimentam em suas "expectativas
inflacionárias" crêem (do verbo crer,
em qualquer coisa!) que estudos profundos, apoiados no estado da arte da
última versão da teoria econômica e
não rejeitados pela mais respeitável
econometria, "provam" que o Brasil
não pode crescer mais do que 3,5%
sem criar insustentáveis tensões inflacionárias.
Na verdade, esse número é apenas
uma ilusão estatística criada por métodos envolvidos em profundas ambigüidades. Como, entretanto, o "mercado" (BC, "falcões" e "tutti quanti")
crê nos 3,5% e que é o "enorme crescimento" o responsável pelo desvio da
meta inflacionária, ouve-se um coro
ensurdecedor pedindo o "óbvio": aumentar os juros, como disse outra noite, num bem freqüentado programa
de televisão, um falcãozinho do mercado posando de cientista...
As causas de estarmos perto do limite superior da "meta inflacionária" de
2004 são muitas: sua enorme ambição
diante do resquício de indexação dos
preços administrados, dois choques
agrícolas, um tremendo choque de
impostos que aumentou o custo das
importações, um cavalar aumento de
impostos municipais, uma ampliação
lenta da base monetária, o choque do
petróleo etc. Provavelmente a menor
delas é o "assustador" crescimento de
4,2% do PIB no primeiro semestre.
Para cortar o crescimento anual de
4,8% para o nível de 3,5% (que o
"mercado" considera virtuoso), será
preciso uma manobra extremamente
perigosa: reduzir o crescimento provável do segundo semestre de 5,4%
para 2,8% sobre o seu homólogo do
ano anterior, ou seja, cortar 1,3% do
PIB anual! Um choque dessa dimensão porá a perder todo o esforço de investimento. Quem perderá tempo investindo num país que não pode crescer mais do que 3,5%?
Até agora não se provou que a economia brasileira esteja no limite da
sua capacidade, e as evidências são, no
mínimo, discutíveis. Uma recente
pesquisa mostrou que a "capacidade
produtiva" era problema para apenas
5% das pequenas e médias empresas
(enquanto a "falta de demanda" era
para 29% delas). Das grandes, 8% registraram o problema, mas 19% delas
registraram "falta de demanda". Por
que aceitar o "mito" antes de submetê-lo a uma auditoria rigorosa?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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