São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2006

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JOSÉ SARNEY

A prudência e o lazer

EM TEMPOS de eleição, duas coisas são impossíveis: lazer e meditação. Quanto ao primeiro, nem pensar. Todos os momentos são tomados e, às vezes, os organizadores de agenda fixam vários eventos na mesma hora: às 8h, três cafés em lugares diferentes para discutir coisas diferentes. E aí entram taxistas com enfermeiros, pequenas empresas com agentes de saúde. A tudo se tem que estar atento. Isso sem perder a paciência e sem atrasar. Mas políticos não têm horários. Horário foi feito para organizar a vida da gente e dos outros, mas a minha experiência é que o atrasar faz parte de nossa cultura política. Eu fico angustiado. Sou homem de cumprir horário, mas quase sempre recebo a desculpa: "O pessoal não chegou. O senhor chegou na hora...".
Lazer ou ócio também não são costumes do meu ofício. O historiador francês Alain Corbin escreveu um livro sobre a cultura do lazer, agora reeditado com grande sucesso. Ele conta como essa conquista surgiu com a Revolução Industrial e se massificou na sociedade contemporânea. Antes, a noção de lazer ficava restrita às classes privilegiadas, aos costumes das cortes, com suas festas, partidas de caça, temporadas em fontes termais.
Depois, a civilização industrial introduziu a noção de férias, um descanso planejado do corpo e da alma, coisa que em tempos de eleição não é para candidato nem ouvir falar. Só no Natal festas e lazer entram em nossos planos, sem faltar meditação.
Por falar em meditação, num desses dias de tumulto eleitoral, antes de dormir, peguei para ler o clássico de Baltasar Gracián sobre a prudência. Jesuíta, Gracián é considerado um dos mais importantes pensadores espanhóis do século 16. Ele não fala da prudência virtuosa.
Meu avó, um nordestino forte do Ingá do Bacamarte, na Paraíba -lugar que, segundo a lenda, só perdia em matar gente para o Catolé do Rocha-, dizia, num de seus provérbios, que "nunca vira cemitério de medroso nem valente de cabelo branco". Nos sertões violentos dos fins do século 19, a lei da sobrevivência era essa.
Mas ser prudente é uma virtude; e ser temerário, um grande defeito. Em tempo de eleição, com a proximidade do dia D, 1º de outubro, os ânimos tendem à exaltação. Os nervos ficam à flor da pele. Nem as pesquisas, que se multiplicam, conseguem acalmar os ânimos. Pelo contrário, elas os exacerbam.
Eu, cá para nós, sigo a norma do meu avô pela prudência virtuosa em vez da prudência "transcendente" de Gracián. Filha da paciência e da benevolência, a primeira é mais do que necessária a quem governa. Vejam no que deu a imprudência de Bush no Iraque.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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