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ALBA ZALUAR
Inverter não é
transformar
A IGUALDADE tem sido objeto de uma infindável discussão teórica. Há os que afirmam ser ela uma condição inalcançável, visto que seres humanos diferem em suas capacidades, talentos e disposição para o trabalho; há os que ressaltam a necessidade como o critério para a distribuição da
riqueza produzida. Os primeiros,
filósofos morais do liberalismo político, preocupam-se com as violações à liberdade que a busca incessante da igualdade vem a trazer. Os
segundos, adeptos da economia
marxista, acreditam que dar a cada
um segundo a sua necessidade inclui o princípio de receber de cada
um segundo a sua habilidade de
contribuir economicamente.
Nenhum pensador da igualdade
defendeu a idéia de que seria possível obter o necessário por fraude,
força, roubo, coerção ou dano a outras pessoas. Esse princípio moral
está também em Marx, que exaltava o valor do trabalho -o pago e o
não pago- e visualizava uma sociedade futura em que essa distribuição seria feita sem coerção de qualquer espécie.
Aqui no Brasil, a discussão tomou rumos indefensáveis. Quem
nega a um branco bem-sucedido,
mesmo que vindo de meios sociais
modestos, o direito de consumir
(que inclui portar) os bens disponíveis socialmente, não está recusando para si mesmo, um negro oriundo de favelas e periferias, esse gozo.
Rappers são conhecidos no mundo
todo por seu sucesso e sua ilimitada sede de consumo. Coleções de
tênis, roupas de marca, automóveis
do ano, festas extravagantes são alguns itens listados nos seus currículos de consumidores. E, claro,
não se imolam pelo sucesso que os
destacou.
Defender o roubo como recurso
de distribuição de renda revela um
enorme desconhecimento das redes e tramas do submundo do crime, onde grassa o capitalismo mais
selvagem de que se tem notícia. Ou
bem a pessoa que roubou vai portar esse objeto, que apenas muda
de mãos e continua a simbolizar a
desigualdade reinante, ou ela vai
vendê-lo a um receptador que pagará muito pouco e fará um hiperlucro comercial, ambos sem produzir riqueza nenhuma. Para onde
foi a distribuição de renda? Para
alimentar a acumulação do receptador e a ilusão do ladrão que precisa voltar a roubar e, portanto, está
sempre a se arriscar em benefício
de outrem.
Com tanto incentivo a ganhar dinheiro fácil, estimula-se exponencialmente a acumulação de riquezas em poucas mãos. Se as defesas
morais contra a fraude e o roubo
continuarem a ser destruídas tão
hipocritamente, a produção de riquezas será reduzida e o estoque de
riquezas do país encolhido a tal
ponto que não teremos nem consumo nem muito menos a tão almejada igualdade.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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