São Paulo, sábado, 15 de novembro de 1997.



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O cabo eleitoral

CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Chamava-se Fonseca, mas, como nascera em Campos, todo mundo o chamava de Campos. Era cabo eleitoral de um crônico candidato a vereador pelo Rio Comprido, um tal de Constantino Monteiro, sujeito grandalhão, meio sobre o analfabeto mas dotado de boas intenções.
Os dois eram solteirões e moravam juntos num apartamento de sala-dois-quartos e dependências. Nas dependências viviam umas meninas que Campos arrebanhava sob o pretexto de dar casa e comida. Nos comícios, o candidato crônico se referia ao Lar Assistencial Santa Terezinha de Jesus (da qual era devoto), grandioso projeto de socorro a infantas desvalidas do bairro (que eram muitas) e cujo núcleo pioneiro estava montado em seu próprio apartamento.
Apesar da devoção a Santa Terezinha do Menino Jesus e das excelentes intenções comunitárias de Constantino, a plebe gostava mesmo era de Campos, que prometia empregos e empréstimos para casa própria. Era o personagem mais popular do bairro. Tinha profunda autoridade moral no sobrado em demolição que funcionava como comitê eleitoral de Constantino.
Deu-se que uma das menores do Lar Assistencial apareceu grávida. Era reta final das eleições, e a polícia iniciou complicadas averiguações. Constantino deu provas de sua grandeza assumindo a responsabilidade. Naquele tempo, casava-se na polícia e foi o que Constantino fez. Houve uma festa no tal sobrado e Campos, num discurso inflamado em que citou Castro Alves e o brigadeiro Eduardo Gomes, classificou Constantino como um varão de Plutarco.
Todo mundo sabia que Campos fora o autor da façanha. O varão de Plutarco mais uma vez não foi eleito, ficou como 16' suplente da chapa. Àqueles que reclamavam de sua atitude, assumindo uma paternidade alheia, Constantino dizia que preferia perder a popularidade a abandonar um amigo na necessidade.
Campos foi o primeiro cabo eleitoral do qual tive notícia. O FMI de FHC é o mais recente.



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