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Gargalo na inovação
Empresas reagem ao imperativo tecnológico, mas fundos setoriais permanecem tolhidos pelo desequilíbrio fiscal
O EFEITO PERVERSO mais
flagrante da prática de
produzir superávits
primários sem critério
talvez se encontre no estrangulamento dos fundos setoriais de
ciência e tecnologia (C&T). Criados em 1999 para prover fluxos
estáveis de verbas à pesquisa,
com a missão de fertilizar empresas brasileiras por meio da
inovação, os 15 fundos existentes
viram seus recursos contingenciados em até 70%, nos piores
momentos, como em 2002.
Cerca de R$ 4 bilhões se encontram hoje numa espécie de
limbo contábil. Teoricamente
recolhidos para abreviar o hiato
entre pesquisa e empresas em
setores como petróleo, biotecnologia e energia, foram sorvidos
para aliviar o sufoco financeiro
do Estado. Entraram para o extenso rol dos gravames disfarçados e deturpados que mal e mal
equilibram as contas do país.
Pode não parecer muito, diante dos R$ 5 bilhões de fundo similar de telecomunicações. Para
a ciência, porém, é uma enormidade, da ordem de 15% de tudo
que os setores público e privado
destinam a C&T a cada ano. Tal
investimento é de 1,37% do PIB
-valor pífio, diante das necessidades do desenvolvimento num
cenário mundial em que o conteúdo tecnológico dos produtos
pode fazer a diferença entre ganhar e perder mercados.
Durante a campanha eleitoral,
o presidente reeleito esquivou-se de compromisso com a aplicação plena dos recursos nas atividades previstas. Por outro lado,
seu governo vem cumprindo o
calendário de reduções progressivas das parcelas contingenciadas fixado em acordo com representantes da comunidade científica. Em 2006, será de cerca de
40% das contribuições e deveria
cair a zero em 2010.
Apesar dos desvios, os fundos
setoriais irrigaram com R$ 2,7
bilhões adicionais os recursos
para produzir conhecimento e
transferi-lo a empresas, em sete
anos. Sem a parcela de 25% dos
royalties que cevam o fundo setorial de petróleo, por exemplo,
seria mais difícil tirar do papel o
tanque oceânico da Coppe-UFRJ, erguido ao custo de aproximadamente R$ 15 milhões para simular inóspitas condições
da exploração em águas profundas. Os fundos foram também
decisivos para a Rede Nacional
de Pesquisa de Alta Velocidade,
que interliga centros de investigação científica por todo o país.
Se houve um tempo em que
empresas nacionais eram refratárias à pesquisa, surgem indícios de que ele pode estar no fim.
Ao concluir a recepção de propostas para o primeiro edital de
investimentos de inovação em
empresas, no final de outubro, o
governo foi surpreendido com
demanda seis vezes superior ao
disponível, R$ 300 milhões.
O imperativo da geração e absorção de tecnologia enfim parece ser assimilado no meio empresarial. É o momento propício
para acelerar o cronograma de
descontingenciamento, reduzindo despesa corrente em lugar de
investimento, e mesmo resgatar
do limbo parte dos R$ 4 bilhões
desviados. Investimentos em
inovação, afinal, têm retorno líquido e certo. Não são concessão,
mas fator de sobrevivência.
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