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TENDÊNCIAS/DEBATES
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O direito de greve deve ser garantido aos policiais?
SIM
A viabilidade constitucional da greve
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA
O
FIM da greve de policiais civis
em São Paulo trouxe à tona a
discussão sobre o direito de
greve de servidores públicos em geral
e, em particular, de policiais. O debate
é oportuno.
Alguns alegam que a greve de policiais militares dos Estados conspira
contra disposição constitucional que
versa sobre a hierarquia e a disciplina.
No entanto, quando se irrompe o movimento grevista, não há que falar em
quebra da hierarquia, que se refere à
estrutura organizacional graduada da
corporação e que se mantém preservada mesmo nesse instante.
A inobservância de ordens provenientes dos que detêm patentes superiores, com a paralisação, caracteriza
ato de indisciplina? Recorde-se que a
determinação proveniente de superior hierárquico, para ser válida, deve
ser legal. Jamais, com base na hierarquia e na obediência, por exemplo, há
que exigir de um soldado que mate alguém apenas por ser esse o desejo caprichoso de seu superior.
Logo, se existem condições que
afrontem a dignidade da pessoa humana no exercício da atividade policial, o ato de se colocar contra tal estado de coisas jamais poderia ser tido
como de indisciplina. A busca por melhores salários e condições de trabalho não implica ato de insubordinação, mas de recomposição da dignidade que deve haver no exercício de
qualquer atividade remunerada. Portanto, se situa dentro dos parâmetros
constitucionais.
Quanto às polícias civis e federais,
não há sequer norma semelhante à
anterior, até mesmo porque possuem
organização diversa.
No entanto, para afastar alegações
de inconstitucionalidade da greve de
policiais, o mais importante é que não
se deve confundir polícia com Forças
Armadas.
Conforme previsão constitucional,
a primeira tem como dever a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Já as segundas, constituídas por
Exército, Marinha e Aeronáutica,
destinam-se à defesa da pátria e à garantia dos Poderes, da lei e da ordem.
Às Forças Armadas, e somente a
elas, é vedada expressamente a greve
(artigo 142, parágrafo 3º, inciso IV, da
Constituição). Ressalte-se que em nenhum instante foi feita igual referência à polícia, como se percebe dos artigos 42 e 144 do texto constitucional.
A razão é simples: somente às Forças Armadas não seria dado realizar a
greve, um direito fundamental social,
uma vez que se encontram na defesa
da soberania nacional. É de entender
a limitação em um texto que lida diretamente com a soberania, como a
Constituição Federal.
O uso de armas, por si só, não transforma em semelhantes hipóteses que
são distintas quanto aos seus fins. As
situações não são análogas.
A particularidade de ser um serviço
público em que os servidores estão
armados sugere que a utilização de
armas no movimento implica o abuso
do direito de greve, com a imposição
de sanções hoje já existentes.
Não existe diferença quanto à essencialidade em serviços públicos como saúde, educação ou segurança pública. Não se justifica o tratamento
distinto a seus prestadores.
Apenas há que submeter o direito
de greve do policial ao saudável ato de
ponderação, buscando seus limites
ante outros valores constitucionais.
Não é de admitir interpretação
constitucional que crie proibição a direito fundamental não concebida por
legislador constituinte. Há apenas
que possibilitar o uso, para os policiais, das regras aplicáveis aos servidores públicos civis.
No mais, deve-se buscar a imediata
ratificação da convenção 151 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho), que versa sobre as relações de
trabalho no setor público e que abre
possibilidade à negociação coletiva,
permitindo sua extensão à polícia.
Uma polícia bem equipada, com
policiais devidamente remunerados e
trabalhando em condições dignas não
deve ser vista como exigência egoísta
de grevistas. Trata-se da busca da eficiência na atuação administrativa
(artigo 37 da Constituição) e da satisfação do interesse público no serviço
prestado com qualidade.
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA , 44, doutor e
livre-docente pela USP, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da
área de concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, é juiz federal em
São Paulo (SP).
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