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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

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MARCIO AITH

O mendigo e a dinastia Bush

Com a captura do ex-ditador Saddam Hussein, o presidente George W. Bush realiza um projeto pessoal, obtém uma janela de oportunidade para retirar soldados americanos do atoleiro no Iraque e fortalece sua candidatura à reeleição.
As imagens do ex-ditador com cabelos bagunçados e barba longa, de boca aberta, sendo examinado por um médico militar americano, rebaixam à condição de mendigo aquele que, em 1991, foi comparado pelo pai do atual presidente americano a Adolf Hitler.
Terão forte impacto na intenção de voto dos americanos em 2004, assim como os lances do julgamento de Saddam -provavelmente um espetáculo hollywoodiano, com depoimentos de vítimas e imagens das atrocidades de seu regime de duas décadas.
O presidente Bush foi eleito com menos votos que seu principal adversário e, nos anos 60, usou o poder do pai para fugir do maior desafio militar de sua geração, a Guerra do Vietnã.
Por esse motivo, convencionou-se dizer que sua Presidência ganhou sentido apenas no 11 de Setembro, quando, depois de uma reação inicial autista, o ex-governador do Texas comandou a reação e definiu a "clareza moral" que justificaria ações militares e restrições a liberdades individuais.
Bush ainda não sabe se o terrorista Osama bin Laden, pivô do processo que redefiniu sua Presidência, está vivo ou morto.
Mas a captura de Saddam deve ser vista isoladamente, sob as dimensões das dinastias e do espírito de vingança, temas frequentes no imaginário da opinião pública americana.
Bush é o segundo filho de um presidente norte-americano a chegar à Casa Branca. O primeiro foi John Quincy Adams, em 1825, mais de duas décadas depois do governo de seu pai, John Adams (1797-1801).
Diferentemente de Quincy Adams, Bush assumiu o poder apenas oito anos depois da derrota eleitoral de seu pai -impedido de obter um segundo mandato pela condução frágil da economia e por ter deixado Saddam permanecer no poder mesmo depois de compará-lo a Hitler.
Desde sua posse -e mesmo antes do 11 de Setembro-, o presidente Bush busca vencer os mesmos desafios que enterraram a carreira de seu pai. Além de capturar Saddam, tenta convencer observadores de que a economia americana caminha para uma retomada sustentável, apesar da elevação substancial dos déficits em conta corrente e público.
Bush reduziu impostos -em vez de elevá-los, como seu pai- e promove uma política monetária expansionista. A taxa anualizada de crescimento dos EUA foi superior a 8% do segundo para o terceiro trimestre, ritmo acima de todas as expectativas.
Bush tenta se fortalecer tanto no campo da economia quanto no da guerra e deixa poucos temas à disposição da oposição democrata.
Howard Dean, ex-governador de Vermont e líder nas pesquisas entre os democratas, e John Kerry, senador por Massachusetts, terão dificuldades para criticar uma política econômica que, entre mortos e feridos, gera crescimento. Terceiro candidato democrata, o general da reserva Wesley Clark tende a se enfraquecer com a prisão de Saddam.
Faltam 11 meses para as eleições presidenciais americanas. Bush pode complicar-se até lá, mas sua estratégia parece funcionar.


Marcio Aith é editor do caderno Dinheiro da Folha.


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