|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARINA SILVA
Avanços e contradições
ENCERRADA a conferência de
Poznan sobre mudança do
clima, o saldo do Brasil é um
importante e justo reconhecimento à sua política de metas de combate ao desmatamento, por parte
de Al Gore, Ban Ki-moon, Nicholas
Stern e muitos outros participantes. Com isso, aumenta o espaço de
liderança brasileira na transição
entre o protocolo de Kyoto e o regime que o sucederá a partir de 2012.
Nossa compreensível satisfação
não pode, contudo, inibir a pressão
sobre os países ricos para que cumpram suas metas obrigatórias. Embora, em tese, todos se proponham
a agir, a fragmentação de caminhos
é tal que a correlação necessária a
uma estratégia global parece estar
se diluindo.
Esvai-se a noção do dever entre
os maiores responsáveis pelas
emissões de gases que aceleram a
mudança do clima. Em seu lugar,
entra uma espécie de voluntariado.
Faz quem quer, como e quando
quiser. Assim, quando países em
desenvolvimento são elogiados por
assumirem metas, é preciso lembrar que respondem por 20% das
emissões. O foco principal precisa
permanecer nos países ricos, que
respondem por 80% e fazem tão
pouco e com tanto rodeio. Que não
fique a impressão de que agora a
coisa vai porque os países em desenvolvimento vão fazer sua lição
de casa.
No Brasil, o estabelecimento de
metas coroa um processo impulsionado por um grande investimento em medidas e políticas estruturantes. Até por isso, temos
moral para cobrar, dos países ricos,
ética e cumprimento integral daquilo que estão devendo à humanidade e ao planeta.
Fragiliza-nos, porém, um paradoxo. Enquanto nossos representantes ostentavam em Poznan o
programa de metas de redução de
desmatamento, aqui era assinado
decreto anistiando por um ano as
multas por desmatamento. E os
beneficiados diziam com todas as
letras que, longe de entenderem
esse período como de adaptação às
normas de proteção ambiental,
vêem-no como prazo para revogá-las de vez.
Não é a primeira vez que isso
acontece. Na convenção da biodiversidade, o Brasil era visto como o
país de postura mais proativa para
a criação de um regime internacional para regular o acesso aos recursos genéticos e remunerar adequadamente as comunidades tradicionais por seus conhecimentos associados a esses recursos. Ao mesmo
tempo, protelava-se aqui a aprovação de lei específica para regular
esse acesso. E assim continua. O
projeto está há dois anos na Casa
Civil.
Gestos bem acolhidos pela sociedade brasileira e pela comunidade
internacional têm que corresponder a atitudes coerentes ou estaremos sempre esvaziando as nossas
próprias vitórias.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Chato ser gostoso Próximo Texto: Frases
Índice
|