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JOSÉ SARNEY
Uma rosa amarela
SEMPRE O mês de janeiro foi
um tempo light. Período de férias, recuperador de forças,
esperança e alegria, pernas para o
ar que ninguém é de ferro, sol e maresia, mulheres com seu corpo exposto às carícias do sol, liberto das
roupas e dos arrependimentos. A
mídia sem notícias, recorre-se apenas aos desastres nas rodovias ou
aos crimes inusitados. Até os anúncios fogem.
Mas, neste ano, parece diferente.
Como numa incelência que ouvi
cantar no Maranhão no meu tempo de infância: "A bandeira desse
ano trouxe um sinale de guerra /
Um é verde, outro encarnado, outro uma rosa amarela". Os raios rubros começaram com Gaza, sem
necessitar mais nada para tingir o
céu de sangue.
Ontem, na televisão, vi Shimon
Peres, um dos estadistas mais brilhantes que conheci, com uma visão profunda dos destinos do mundo, com os olhos baços, anunciar
mil mortos palestinos. Avaliei o
que passa pela alma desse homem
de cultura e a obrigação do cargo. É
um janeiro sem sol. Na aventura do
gênero humano que é a vida, a marca fundamental e dominante foi a
violência. Darwin -que neste ano
completa 200 anos de nascimento- desenvolveu a teoria de que a
espécie humana evoluiu por meio
da sobrevivência dos mais fortes.
Assim, somos todos os que chegamos até aqui beneficiários dessa
brutal disputa na matança dos
mais fracos. Mas não desapareceu
de nossa alma o amor pelos desvalidos, nossos sentimentos com os
mais perseguidos, nossa busca
constante pela igualdade. Se um intruso asteróide não houvesse colidido com o planeta, teríamos sido
comidos pelos dinossauros e a Terra seria só de gigantes.
Mas o bicho-homem, quis Deus
que conhecesse tudo isso e tivesse
o poder de criar a força, dominá-la
ou ser escravo dela.
É desligando a televisão que posso fugir de pensar na tragédia das
crianças ensanguentadas e mortas,
ceifadas no despertar da inocência.
Talvez seja a "rosa amarela" da incelência. E o mundo, embrutecido,
se comove mais com o cemitério
das bonecas de Gaza, com os olhos
pintados sempre abertos, sem pupilas, eternamente cegas num simbolismo da gratuidade da violência.
Leio a entrevista de João Lins de
Albuquerque com uma atriz que foi
um dos encantos da minha geração
após-guerra, Esther Williams, no
seu vigor de nadadora, sereia dos
musicais aquáticos do fim dos anos
50. Ela diz que seus filmes faziam
sucesso porque as pessoas, cansadas das cenas tristes da guerra, estavam ávidas de ver "filmes alegres,
que destacassem o lado bom da vida". É do que estamos precisando,
balés aquáticos em vez do fogo de
Gaza. Será que isto virá com a política inteligente de Hillary? É, senhora Clinton, entre o poder duro
e o poder fraco, melhor o poder inteligente. Mas o poder é burro...
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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