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Democracias em crise
Fraqueza institucional, muitas vezes sob nova roupagem, continua a marcar a vida política de países latino-americanos
POPULISMO , turbulência,
ditaduras e caudilhos
constituem fenômenos
recorrentes na história
latino-americana. Não deixa de
surpreender, todavia, que no final da primeira década do século
o continente ainda seja palco de
crises, desmandos e aventuras
como as que, em graus variados
de intensidade, registram-se em
países tão distintos quanto Argentina, Venezuela e Honduras.
Enquanto forças do Exército,
transformadas em fiscais de preços, vigiam gôndolas de supermercado em Caracas, a Argentina se torna palco de investidas
voluntaristas por parte da presidente Cristina Kirchner. Após
suas tentativas de intimidar um
jornal oposicionista, pretendeu
exonerar o presidente do Banco
Central argentino, ferindo o protocolo expresso na Constituição.
Em comum, Venezuela e Argentina vivem situação econômica delicada, que se segue a
anos de rápido crescimento.
Índices negativos ou próximos
de zero no PIB, inflação elevada,
ambiente desfavorável ao investimento privado, dependência
extrema de exportações primárias, gestão pública errática e demandas sociais agudas criam
uma conjuntura de óbvias dificuldades para os dois países.
Seus governantes acentuam, assim, traços providencialistas de
comportamento.
Nem a prosperidade do início
da década nem a crise atual oferecem, entretanto, explicações
suficientes para o subdesenvolvimento político e a tentação autoritária que, com exceção cada
vez mais marcante de Brasil e
Chile, ainda caracterizam tantos
países latino-americanos.
O cientista político argentino
Guillermo O'Donnell criou há
tempos o conceito de "democracia delegativa", em contraste
com a clássica ideia da "democracia representativa". Seria o
hiperpresidencialismo, fundado
na deterioração do sistema parlamentar e no descrédito das organizações partidárias.
Se, no caso venezuelano, o poder de Hugo Chávez se aproxima
do puro caudilhismo, parece generalizar-se, e não só na América
Latina, um sistema em que liberdades democráticas coexistem
com o providencialismo do presidente, a baixa alternância no
poder, a cooptação de Legislativo
e Judiciário e a ameaça à liberdade de imprensa.
O processo, que pode encontrar paralelos, por exemplo, na
Rússia de Vladimir Putin, não se
restringe ao legado típico do populismo sul-americano. O presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, em tudo se afasta do modelo
chavista -exceto no seu intento
de propor um referendo para assegurar uma segunda reeleição.
De certo modo, é como se o
atraso social, econômico e político continuasse a bloquear, em
pleno século 21, o acesso de muitas nações à solidez da democracia representativa de massas,
que em meados do século 20 já
havia se consolidado nos países
centrais.
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