São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2011

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Previsão do tempo

Ignorando evidências sobre eventos climáticos extremos, governantes abandonam populações à mercê de inundações e deslizamentos

Todo ano o discurso se repete. Diante dos desastres provocados pelas chuvas, autoridades das diversas esferas se referem ao caráter excepcional, inédito, fora do normal, das precipitações que acabaram de ocorrer. Não mentem ao dizer isso -mas a constatação não lhes serve de desculpa.
O aumento de episódios de chuvas extremas era previsível, diante do crescimento desordenado das cidades e da mudança climática provavelmente em curso no planeta. O prognóstico se reitera em dois estudos recentes produzidos no Brasil.
O primeiro, "Economia do Clima", contou com a participação de quase 40 especialistas, e avalia o possível impacto do aquecimento global no sistema produtivo do país. Sua metodologia reproduz o célebre "Relatório Stern", resultado de estudos encomendados pelo governo britânico, que analisava os efeitos do fenômeno climático na economia mundial.
Uma das principais conclusões do texto brasileiro era que o impacto da mudança do clima faria o país acumular perdas de até R$ 3,6 trilhões em 40 anos.
Para chegar a esse número, partiu-se de uma simulação do futuro climático das regiões brasileiras realizada por especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As regiões Norte (com aumento de até 8C) e Nordeste (com perda de até 2,5 mm/dia de chuvas) foram apontadas como as mais vulneráveis. Mas também se previa, com grau médio de confiabilidade, o aumento de episódios de chuvas extremas no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste.
O segundo estudo, "Vulnerabilidade das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas", que tem alguns autores em comum com o anterior, aborda de forma específica a região metropolitana de São Paulo. Projeções preliminares, que também contaram com cálculos do Inpe, indicam que pode ocorrer uma elevação na temperatura de 2C a 3C, de 2070 a 2100, e uma duplicação do número de dias com chuvas intensas (mais de 10 milímetros), capazes de causar enchentes.
Pode parecer cedo para tendências de futuro tão longínquo se manifestarem já em 2011. Mas não há morador paulistano, para nos atermos apenas a esse caso específico, que não perceba diretamente o que se passa na cidade.
Aqui, ao aquecimento global se soma um conhecido fenômeno local, o efeito "ilha de calor". O aumento da mancha urbana, impermeabilizada com concreto e asfalto, retém mais calor que o ambiente natural e aquece o ar.
Na década de 1930 não se registravam chuvas de mais de 50 mm num dia, como a da semana passada. Na década de 1990, houve quatro eventos dessa magnitude, que equivale a despejar 50 litros de água por metro quadrado.
Em São Paulo ou em qualquer outra região do país, as projeções do clima ganham cada vez mais precisão e credibilidade, mas não apontam para fenômenos novos. Enchentes e deslizamentos se repetem todos os verões, assim como as promessas de que não voltarão a ocorrer no próximo.
Os governantes não agem na medida do necessário para adaptar as cidades brasileiras a uma situação que se agrava, a olhos vistos, de ano para ano. E que não se explica só por "causas naturais": surgem na medida da irresponsabilidade humana, em sua repetição e em seus trágicos efeitos.


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