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Forma e conteúdo
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Não tive tempo, ainda, de analisar a lista dos cem melhores romances do século publicada recentemente no Mais!. Por deferência
de seu editor, Alcino Leite, fui um dos
votantes. Evidente que os demais
membros do júri, bem mais equipados
do que eu, produziram uma respeitável sentença na qual minha acanhada
opinião naturalmente se diluiu.
Outro dia, fui apanhar um volume
na estante e deixei cair um livro de
Thomas Mann, justamente o "Doutor
Fausto", que foi citado em quase todas
as listas publicadas, inclusive na minha, em terceiríssimo lugar, abaixo de
Proust e Joyce.
Estatelado no chão, estava aberto
numa página onde, em leitura antiga,
eu assinalara uma frase. Como devolvi o livro à estante, e tenho preguiça
de apanhá-lo, cito de memória: "Os
russos têm profundidade, mas não
têm a forma; os ocidentais têm a forma, mas não têm a profundidade; somente nós, alemães, temos a profundidade e a forma". Pergunto: será isso
mesmo?
Há muito que a discussão forma-conteúdo foi superada como conceito crítico. Forma é conteúdo. E conteúdo é forma. Tudo bem. Mas o personagem de Mann não se refere ao
conteúdo e sim à "profundidade". É
outra dimensão.
Shakespeare foi escolhido o homem
do milênio pelos ingleses. Mesmo
aqueles que não são ingleses terão de
considerar o seu nome na hora de eleger o homem mais importante dos últimos mil anos.
Mas há uma frase que gostaria de
lembrar: "A obra de Shakespeare é
um oceano que se atravessa com água
pelas canelas". Ou seja, falta-lhe profundidade, embora não lhe falte conteúdo. Contraponto de Shakespeare, o
alemão Goethe é profundo até o exagero, o "Fausto 2" é chatíssimo.
Transpondo o dilema para nossa literatura: quem tem a forma e a profundidade em medidas iguais: Machado de Assis ou Guimarães Rosa? Muita coisa de Rosa me parece acaciana,
embora dita com genialidade.
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