São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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Pai Nosso

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A preparação do Grande Jubileu, conforme a programação do papa João Paulo 2º, dedica o ano de 1999 para aprofundarmos o conhecimento e amor de Deus Pai. Ele é a origem de tudo e dele "provém toda paternidade no céu e na terra".
Jesus Cristo, ao revelar-nos a beleza da vida trinitária, ensinou-nos que Deus Pai nos ama como filhos e que, por isso, somos todos irmãos. Ele, que alimenta os pássaros e veste os lírios do campo (Mt. 6, 26), cuida de todos nós com carinho materno. É "Pai misericordioso". Quem poderá esquecer a parábola comovente que nasceu do coração de Jesus Cristo para nos manifestar o afeto de Deus Pai que acolhe com festa a volta do filho pródigo e procura convencer o irmão mais velho a participar de sua alegria?
Na medida em que rezamos a oração do "Pai Nosso" e descobrimos melhor a paternidade divina, vão se intensificando a atitude de entrega filial para com o Pai de Jesus Cristo e a compreensão da irmandade que somos chamados a viver entre nós. Nascem, assim, exigências muito concretas para o nosso relacionamento cotidiano.
1. A primeira é o dever de estima recíproca, profundo respeito à consciência de todos, irmãos e irmãs, na diversidade de crenças, raças, nações e culturas. Segue-se a necessidade do diálogo inter-religioso e do intercâmbio de bens espirituais e materiais. A confiança que temos em Deus, como Pai comum, ajuda-nos a acreditar na bondade divina que oferece a todos os meios de salvação a nós revelada em Jesus Cristo. Aprendemos, assim, a entender a situação dos que não crêem em Deus, mas que, no mistério da própria consciência, buscando a verdade e o bem, são atraídos pelo Pai celeste e dele se aproximam sem o conhecerem ainda.
2. O anseio de fraternidade entre todos torna-se mais forte para os que recebem de Cristo a certeza de sermos amados por Deus, Pai de todos nós. Isso nos leva a assumir, com maior convicção, as responsabilidades em comum: a promoção da justiça e dos direitos de cada homem e mulher, a paz e a colaboração entre os povos, o respeito à obra da criação e a conservação do mundo para as gerações futuras.
3. A percepção do valor de cada pessoa amada pelo Pai faz-nos compreender a obrigação de nos empenhar, em nossas comunidades cristãs, para que todos tenham o necessário à vida digna de filhos de Deus. Daí a luta contra a miséria espiritual e material que aflige milhões de pessoas.
Numa atitude de sincero amor a Deus Pai e Criador, temos que expressar, com maior coerência, a solidariedade com os irmãos carentes e encontrar resposta para muitas perguntas. Por que falta comida na mesa do pobre e há tanta fome em nosso país? Que estamos fazendo para minorar os efeitos da seca que perdura no Nordeste? Por que aumenta a mendicância e cresce o número de crianças e adultos que vivem nas ruas? Qual o caminho para assegurar mais leitos nos hospitais, atendimento aos aidéticos e remédios para os doentes? Que fazer para humanizar os presídios? Como aumentar, a curto prazo, o salário mínimo e as aposentadorias ínfimas? E, ao mesmo tempo, como evitar o escândalo dos que -sem atenção ao povo sofrido- legislam em benefício do próprio salário? Como unir forças para enfrentar o drama do desemprego?
Será que posso rezar o "Pai Nosso" e dizer que amo a Deus, quando fecho as mãos e o coração a seus filhos e filhas?


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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