São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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O governo federal deve renegociar as dívidas dos Estados?

NÃO
Moratória é corda no pescoço do Brasil

CÉSAR BORGES

A renegociação da dívida do governo federal com os Estados foi um processo longo, iniciado em 93, quando o presidente da República era justamente o senhor Itamar Franco.
Os critérios da renegociação foram estabelecidos de maneira amplamente favorável aos Estados, com longos prazos de resgate e taxas de juros praticamente subsidiadas, se as compararmos com as do mercado. Além disso, o governo federal se preocupou em fixar em 13% o limite máximo de comprometimento das receitas estaduais, assegurando, assim, aos Estados condições básicas para o cumprimento de suas obrigações de pagamento com a folha, o custeio e ainda fazer investimentos.
Não é o momento de reabrir uma discussão tão complexa como a de renegociar dívidas já renegociadas. É triste e paradoxal comprová-lo, mas a moratória é uma irresponsabilidade que se contrapõe à grandeza do Brasil. Não há como concebê-la, sobretudo quando se sabe ser ela movida por mesquinhos interesses pessoais e políticos que a consciência nacional repudia fortemente.
O cidadão comum que adquiriu um bem a prazo e não consegue pagá-lo em prestações deve devolvê-lo ao seu credor. No mínimo. Da mesma forma, o governante que se acha incapaz de honrar seus compromissos, já que bens não tem a devolver, deveria devolver seu mandato ao povo.
A moratória é um forte apelo a que se estabeleça no país o império da desobediência e da desordem. Aos olhos do cidadão comum, o raciocínio é simples. Ele haverá de imaginar: se o governo caloteia, por que eu, em condições muito mais adversas, também não posso calotear? E viva a esbórnia.
Este é, ao meu ver, o estrago maior da bomba lançada sobre os destinos do Brasil. A irresponsabilidade neste momento da história política, econômica e social do país é o mais grave crime que um governante pode cometer. O pretenso calote é um laço que se põe no pescoço do Brasil e dos brasileiros, coincidente e paradoxalmente, em plena terra de Tiradentes.
Há Estados brasileiros, inclusive nordestinos, vivendo em meio a imensas dificuldades, mas que nem por isso têm deixado de honrar seus compromissos.
Cito o exemplo da Bahia. A dívida total do Estado, posicionada em dezembro de 1998, é de R$ 6,5 bilhões, com prazo médio para resgate em 20 anos e taxa média de juros de 6,5% ao ano. Renegociamos nossa dívida mobiliária em 1997, ao valor de R$ 906 milhões, a ser paga em 30 anos, com taxa de 6% ao ano, mais IGP-DI. Antes, o prazo máximo para resgate dessa dívida era de três anos, a custo anual de 43%.
Nossas receitas são crescentes e podemos fazer a adequação das nossas despesas a elas. Hoje, temos a capacidade de pagar a folha de pessoal -abaixo dos 60% da receita, como reza a Constituição Federal-, o custeio e a amortização da dívida, e ainda nos sobram recursos (menos do que desejávamos, é certo) para investimentos com 15% das nossas receitas líquidas, o que representa no cenário de nosso crescimento cerca de R$ 500 milhões anuais.
Esse montante, a que se juntam recursos de privatizações e empréstimos, vem possibilitando ao governo somar mais de R$ 1,2 bilhão por ano para investimentos no Estado. Se a negociação da dívida não tivesse sido feita, o débito estaria crescendo na razão de 30% a 40% ao ano, por causa das taxas de juros. A negociação significou para a Bahia uma economia de R$ 300 milhões anuais.
Conseguimos chegar a essa situação com austeridade, com competência, mas sobretudo com muita determinação, num trabalho iniciado em 91, no governo de Antonio Carlos Magalhães. Foi ele quem desencadeou o processo de extinção ou fusão de secretarias e órgãos, eliminou a política dos elevados salários e dos contratos superfaturados e montou uma estrutura administrativa enxuta e eficiente, antecipando-se a uma realidade a que todos os outros Estados e a própria nação precisaram se adaptar.
A moratória, em quaisquer circunstâncias, repito, é uma corda que se põe no pescoço do Brasil e dos brasileiros. Equivocam-se, contudo, aqueles que pensam poder nos levar ao cadafalso. Que os percalços que o país vem passando nos últimos dias sirvam pelo menos para despertar na consciência do governador do segundo maior Estado brasileiro o bom senso de descortino do tamanho dos estragos que já causou ao Brasil e a seu povo.
Por fim, evoco o nome de Luís Eduardo Magalhães, lembrando uma de suas frases lapidares: "Se a obediência à lei, por si só, não torna grandes as nações, a desobediência as destrói".


César Borges, 50, engenheiro civil, é governador da Bahia, reeleito pelo PFL.




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