São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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O governo federal deve renegociar as dívidas dos Estados?

SIM
Resgatar o pacto federativo

OLÍVIO DUTRA

Antes de examinar a justeza da mobilização dos governadores em torno das dívidas dos Estados, é preciso que a sociedade brasileira entenda uma questão central nesse debate. A maior parte da dívida negociada com a União é constituída de juros recentes sobre dívidas mobiliárias dos Estados. Portanto é produto do modelo econômico adotado pelo atual governo federal, que mantém os juros altos para garantir os lucros dos capitais flutuantes que lastreiam o Plano Real.
No caso do Rio Grande do Sul, a dívida mobiliária cresceu de R$ 3,3 bilhões para R$ 8,8 bilhões em quatro anos. Portanto o governo federal tem responsabilidade pelo descontrole das dívidas dos Estados e, como tal, deve estar aberto ao debate que queremos desencadear. Os termos da renegociação anterior não são favoráveis aos Estados, como sustentam seus defensores.
O argumento de que ela livra o pagamento de juros de mercado equivale a tirar da sala o bode -ou seja, o juro elevado- que o próprio governo federal colocou. No caso gaúcho, dívida é impagável nesses moldes. O Estado vem operando com um déficit anual de cerca de R$ 1 bilhão, só coberto pela receita das privatizações. O acordo determina o pagamento de parcelas equivalentes a 13% das receitas líquidas que, somadas com as outras dívidas extralimite, comprometeriam só este ano mais de R$ 800 milhões.
Ao mesmo tempo em que impõe o pagamento de parcelas mensais fora da realidade, a União vem sistematicamente retirando receitas dos Estados com medidas como a Lei Kandir, que desonera de ICMS as exportações de produtos semi-elaborados, e o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), outra vez prorrogado pelo pacote pós-eleitoral. Essas medidas e o corte de despesas previsto no pacote retiram R$ 546 milhões por ano dos cofres gaúchos.
Nosso governo tem um projeto que se opõe ao modelo neoliberal. Queremos um Estado ágil, eficiente, executor de políticas de desenvolvimento e capaz de dar respostas às demandas sociais. No entanto, o modelo de renegociação induz a um Estado mínimo, esvaziado, desmilinguido, cada vez mais ausente da vida do cidadão.
Flagrantemente, a negociação viola o pacto federativo consagrado na Constituição de 88, como na cláusula que permite a retenção de recursos do Fundo de Desenvolvimento dos Estados em caso de inadimplência. Outras cláusulas amarram os governos estaduais ao projeto de privatizações, impõem o arrocho salarial dos servidores, reduzem os investimentos públicos, inviabilizam programas de combate à exclusão social e impedem os Estados de manterem suas instituições bancárias.
Novamente cito o exemplo gaúcho. A renegociação assinada pelo governo anterior determina que, caso o Banrisul não seja privatizado, a parcela subirá de 13% das receitas líquidas a um percentual que pode chegar a 17%. Portanto tenta forçar a venda do banco estadual, que, no nosso projeto, cumprirá uma função estratégica fundamental de financiar projetos voltados às pequenas e médias empresas, de apoio à agropecuária, de acesso à terra e à moradia, de combate ao desemprego e à miséria.
Mas também há questões entre nós, os governos estaduais, que devemos tratar com seriedade e autocrítica. Não é mais possível conviver com a nefasta guerra fiscal, que nos coloca uns contra outros e que cria um confronto insano por empresas privadas alimentado por receitas públicas.
Lembro que o governo que nos antecedeu ofertou à Ford e à GM empréstimos privilegiados, que podem custar R$ 5 bilhões ao Estado. Vamos lutar para fortalecer o Confaz, o foro dos secretários de fazenda, como regulador das políticas de incentivos, colocando-as em padrões socialmente justos.
É urgente recompor o pacto federativo quebrado pela própria União na forma como trata a dívida e nas constantes medidas de renúncia fiscal. Mas buscamos principalmente estabelecer no país um clima de debates sobre questões que interessam a todos, mas que vinham sendo tratadas de forma unilateral. Defendemos o desenvolvimento auto-sustentável dos Estados, que potencialize os governos como instrumento da cidadania para enfrentar a crise e qualificar a vida das pessoas. Para isso, queremos construir uma relação solidária que integre o país e garanta um futuro digno e justo para todos os brasileiros.


Olívio Dutra, 57, é governador do Rio Grande do Sul pelo PT.




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