|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O direito à anistia
JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA e RODRIGO DALL'ACQUA
O que mais choca é a afirmação, feita por um ex-ministro da Justiça, de que a comentada anistia seria um ato de desprezo ao STF
EM ARTIGO publicado neste conceituado jornal sob o título
"Anistia jamais", o advogado Miguel Reale Júnior, ex-vice-presidente
do PSDB paulista e principal membro
do comitê financeiro da campanha
presidencial de Geraldo Alckmin, se
propõe a "relembrar os fatos" que levaram à cassação do ex-deputado federal José Dirceu.
Contrariando seu propósito declarado, nenhum fato foi rememorado
no artigo, sendo citado apenas o relatório final do processo de cassação, de
autoria do deputado Júlio Delgado.
Peça que, além de não conter nenhuma prova de participação do ex-deputado José Dirceu nos repasses ilegais
de recursos, ainda foi severamente
extirpada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu ali graves violações ao princípio constitucional do
devido processo legal, garantia maior
de todo e qualquer acusado.
As intervenções do Supremo Tribunal Federal, duramente combatidas
pela mídia (chegou-se a insinuar, ainda que sem lógica aparente, que a
doença e ausência de um ministro seria uma manobra), serviram para escancarar a fragilidade do voto do deputado Júlio Delgado. Tal relatório,
que, pela sua importância, deveria ser
uma bem fundamentada sentença,
restou resumido a um discurso político vazio e inconsistente.
Na tentativa de impingir certa legitimidade a um relatório desprovido
de provas, utilizou o eminente advogado, como argumento, a "expressiva
votação" obtida no plenário da Câmara dos Deputados, contabilizando 293
votos a favor e 192 contra a cassação
do ex-ministro-chefe da Casa Civil.
Difícil entender a lógica desse argumento, a não ser que se esqueça que
os mesmos parlamentares que votaram para aprovar o relatório contra
José Dirceu também absolveram a
imensa maioria dos deputados que,
assumidamente, receberam recursos
irregulares para financiamento de
campanha.
O que mais choca, porém, é a afirmação, feita por um ex-ministro da
Justiça, de que a comentada anistia
significaria ato de desprezo ao Supremo Tribunal Federal, no qual se afirmou tramitar uma ação penal contra
José Dirceu.
É impossível que não se saiba, num
processo com tanta visibilidade, que o
Supremo Tribunal Federal nem sequer chegou a analisar a denúncia
oferecida, podendo inclusive rejeitá-la e arquivar o inquérito.
E mais, ainda que de fato houvesse
um processo criminal em andamento,
é igualmente inadmissível que um jurista, que também é um político, ignore o significado e a aplicação do elementar princípio da presunção de
inocência, segundo o qual "ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Nem sequer há processo
instaurado, quanto mais uma sentença, situação muito parecida com a do
senador Eduardo Azeredo, partidário
de Reale Júnior, que, pelo mesmo
princípio, não pode ser rotulado como o precursor do valerioduto.
Em vez de relembrar fatos que nunca existiram, o articulista, ex-suplente do ex-senador José Serra, pretende
reavivar o clima político que permeou
o processo de cassação, antecipando
radicalmente a sucessão presidencial
de 2010. Não esconde que o grande
malefício da suposta anistia de José
Dirceu não é a sua conseqüência (a retomada de seus direitos políticos),
mas, sim, a sua origem, a iniciativa popular, pois um projeto de anistia amparado em mais de 1 milhão de brasileiros poderia fazer do anistiado um
provável concorrente à futura eleição
presidencial.
O projeto de anistia do ex-deputado
José Dirceu nem sequer existe, mas já
desperta e certamente provocará posições políticas radicalmente contrárias, comuns e saudáveis em uma democracia. Mas, para o bem do próprio
Estado democrático de Direito, esse
debate deve respeitar a verdadeira
história dos fatos que envolveram seu
processo de cassação, os nossos princípios constitucionais elementares e,
principalmente, a soberania popular.
JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA, 40, advogado criminalista,
membro da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos e do Instituto dos Advogados de São Paulo, e
RODRIGO DALL'ACQUA, advogado criminalista, especialista em direito penal econômico pela Universidade de Coimbra e membro do Instituto de Defesa do Direito de
Defesa, são advogados do ex-deputado federal José Dirceu.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Pinguelli Rosa: O clima da Terra e a redução das incertezas Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|