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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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VOLUNTARISMO

O marcante voluntarismo da administração George W. Bush no campo diplomático e militar é amplamente reconhecido. Nas últimas semanas, essa impetuosidade contribuiu decisivamente para que, a partir da resistência às pretensões belicosas de Bush no Iraque, liderada por França, Alemanha e Rússia, se esboçasse uma séria crise do sistema internacional.
A sensação de alarme foi generalizada nos meios políticos e econômicos internacionais. O "Financial Times", por exemplo, explicitou uma preocupação corrente ao indagar se a Otan (a aliança militar ocidental) estaria a ponto de dissolver-se. O diário inglês, como muitos outros órgãos de imprensa, acadêmicos e analistas, questiona mesmo se a ordem global pós-1945 como um todo -e em particular as Nações Unidas- não estaria em pleno processo de dissolução.
São dúvidas pertinentes, e sobretudo inquietantes, a respeito do futuro do sistema internacional e do desenho geopolítico do globo. Mas o impacto do voluntarismo diplomático e militar do governo Bush já cobra um preço no presente ao prejudicar o desempenho da economia global.
Devido à iminência da guerra, que se estende há semanas, a incerteza se mantém muito acirrada. Com isso, decisões de investir e de consumir vão sendo postergadas, e a aversão ao risco dos investidores se mantém muito alta, inibindo a concessão de crédito. Como consequência, o crescimento econômico, que já não era robusto, perde ímpeto no mundo como um todo. Tanto que, conforme já vazou na imprensa alemã, o FMI deve rebaixar novamente sua projeção para o crescimento da economia mundial em 2003 em seu relatório semestral, a ser divulgado em abril.
Mas os prejuízos econômicos gerados pelo voluntarismo do governo Bush poderão estender-se muito além do horizonte de 2003. Cresce o número de analistas que advertem para as armadilhas que estão sendo criadas pela política de agressivos cortes de impostos e aumento de gastos que vem sendo implementada pela administração Bush.
O economista norte-americano Paul Krugman, por exemplo, alertou que o governo Bush demonstra disposição de prosseguir em sua política fiscal muito agressiva independentemente do desenrolar da crise no Iraque. A tendência de alta muito rápida do déficit público norte-americano continuaria presente, portanto, mesmo que a guerra acabe por ser vencida rapidamente pelos EUA.
Uma guerra breve em princípio permitiria reduzir, a seguir, os gastos relacionados ao esforço bélico. Mas os aspectos mais preocupantes do voluntarismo fiscal do governo Bush dizem respeito não aos gastos, e sim aos cortes de impostos. As reduções adicionais de tributos que ele vem propondo têm caráter permanente.
O alerta de Krugman é de que ao longo dos próximos anos estarão presentes pressões estruturais de aumento de gastos públicos nos EUA, relacionadas ao envelhecimento da população -o que tenderia a manter em alta os gastos previdenciários e com assistência médica. A combinação dessas pressões com a redução permanente de impostos poderá gestar uma séria crise fiscal nos EUA.
A resultante do voluntarismo fiscal do governo Bush seria uma alta muito forte das taxas de juros norte-americanas. Pior para as perspectivas de crescimento, a médio prazo, dos EUA -e, por extensão, do conjunto da economia mundial.
Assim como no campo diplomático e militar, também no campo econômico vai-se revelando necessário encontrar meios para conter a excessiva impetuosidade do atual governo norte-americano.


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