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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Vamos falar sobre drogas

GIOVANNI QUAGLIA

A cada ano, as Nações Unidas escolhem um tema para marcar o Dia Internacional contra o Abuso de Drogas, que é comemorado em 26 de junho. O tema de 2003, bastante apropriado à realidade brasileira, é "Vamos falar sobre drogas". O objetivo é envolver a sociedade no debate sobre a questão das drogas, e este artigo é uma colaboração com essa iniciativa.
Segundo relatório anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (órgão ligado ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) divulgado recentemente, mais de 160 países estão implementando as diferentes convenções da ONU sobre o controle de narcóticos e outras substâncias psicotrópicas. Um balanço desses esforços mostra que pressões sociais e legais estão limitando o consumo de drogas ilícitas a 5% da população mundial acima de 15 anos de idade -tendo como referência os últimos anos da década de 90.
Esse percentual, que é bastante significativo, representa cerca de 200 milhões de pessoas. Mas, quando se considera o consumo de drogas lícitas, a comparação é favorável. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o consumo global de tabaco e álcool na população acima de 15 anos é estimado, respectivamente, em 30% e 50%.
Nos países cientes dos danos causados pelas drogas legais à saúde e à produtividade e de sua relação com o aumento da violência, ações vigorosas ajudam usuários a abandonar o hábito ou, pelo menos, reduzir os riscos desse consumo como um primeiro passo para a abstinência. Este é um caminho longo, mas a tendência é que as restrições do consumo de drogas legais sejam cada vez maiores, indo na mesma direção adotada há 50 anos pela comunidade internacional em relação às substâncias ilegais.
Um bom exemplo é a convenção proposta pela OMS, para mais de 170 países, com o objetivo de frear o consumo de cigarro. Entre as medidas sugeridas estão o aumento de impostos sobre a produção e a comercialização do tabaco, maiores restrições às áreas destinadas aos fumantes e a proibição total de publicidade e patrocínio cultural e esportivo pelos fabricantes de cigarro.
No que se refere às drogas ilícitas, novos e maiores esforços precisam ser feitos para conscientizar a juventude brasileira de que os prazeres de curto prazo proporcionados pelo consumo de maconha, cocaína e drogas sintéticas têm efeitos danosos para a saúde. Estudos sobre a maconha, a droga ilícita mais socialmente banalizada, mostram que seu poder cancerígeno é quatro vezes superior ao do tabaco. Além disso, a importante revista "British Medical Journal" mostrou que há uma relação causal entre o uso dessa droga e o desenvolvimento de psicoses.


A fim de melhorar os indicadores de drogas e crime, a sociedade brasileira deve apoiar as políticas internacionais


Outro aspecto importante é a concentração de renda derivada do tráfico de drogas. Em 2001, o consumo de heroína e cocaína nos Estados Unidos e na Europa movimentou cerca de US$ 80 bilhões. Desse total, apenas 1% ficou com os agricultores envolvidos nas plantações da matéria-prima dessas duas drogas nos países em desenvolvimento (Afeganistão, Bolívia, Colômbia e Peru, por exemplo). Os demais 99% foram parar nas mãos dos traficantes.
A maior parte dos US$ 3,8 bilhões que retornaram aos países produtores não contribuiu para a economia local, pois os gastos dos traficantes estão concentrados em produtos importados. Essa análise ainda não está disponível para o Brasil, mas o mercado doméstico de drogas ilícitas gera alguns bilhões de dólares para os narcotraficantes, que devem grande parte de seu lucro aos consumidores com alto poder aquisitivo.
Não pretendendo esgotar o assunto aqui, mas é preciso dizer que, para reduzir o mercado de drogas ilícitas, a estratégia brasileira deve ser bem balanceada entre a prevenção e a repressão. Medidas preventivas são importantes para influenciar os jovens a não se envolverem com o consumo de drogas ilícitas, prover serviços de qualidade para usuários que querem deixar o hábito ou reduzir os riscos associados ao uso dessas substâncias e facilitar a reinserção dessa população na família e na comunidade para reduzir a reincidência.
Nessa questão, a pior e mais custosa política pública é deixar à própria sorte e sem nenhuma ajuda aqueles que desenvolveram problemas com drogas. Nas duas últimas décadas, a Europa tem investido em serviços públicos de qualidade. Nos Estados Unidos, o orçamento da Estratégia Nacional para o Controle de Drogas cresce consistentemente e os serviços de prevenção e de tratamento do abuso de drogas receberão cerca de US$ 5,2 bilhões em 2003. Isso representa 47% do orçamento destinado ao controle de drogas naquele país.
As medidas repressivas são igualmente importantes e tradicionalmente reconhecidas. Mas, no campo da prevenção, muitos anos foram necessários para se chegar à conclusão de que os investimentos nessa área dão retorno e reduzem o mercado das drogas ilícitas.
A fim de melhorar os indicadores de drogas e crime, a sociedade brasileira deve apoiar as políticas internacionais já ratificadas pelo país. Como o governo britânico observa, as convenções da ONU oferecem espaço suficiente para que os países ajam dentro de necessidades específicas. Para serem eficazes, os governos federal, estaduais e municipais devem incluir a prevenção ao crime e à droga como um tema transversal nos seus planos de trabalho, uma vez que esse problema afeta toda a sociedade.
Com a união de esforços entre o governo e a sociedade civil, um progresso considerável poderá ser feito, mesmo com investimentos moderados.



Giovanni Quaglia, 52, é o representante regional do Unodc (Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes) para o Brasil e o Cone Sul. Foi chefe de Operações na sede do Unodc em Viena e representante do mesmo escritório no Paquistão, Afeganistão, Irã, Brasil e Bolívia.




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