São Paulo, domingo, 16 de março de 2008

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São Paulo parada

Agravamento da lentidão no trânsito pede soluções bem mais ousadas do que prefeitura e governo do Estado têm oferecido

SUCESSIVOS recordes de congestionamento tornam evidente o que ninguém queria ver: São Paulo, que não podia parar, está parando. A cidade colhe o resultado de décadas de incúria, prioridades equivocadas, descaso com transporte coletivo e obras faraônicas para desafogar o tráfego de automóveis particulares.
Mais que estacionar em engarrafamentos quilométricos, São Paulo involui. Cada vez mais pessoas abandonam ônibus (4,9 milhões de passageiros/dia, segundo dado de 2002) e trens (1,9 milhão) em favor de carros (7,5 milhões de trajetos diários) e até viagens a pé (8 milhões por dia). Eis aonde nos conduziu a primazia do transporte individual.
Entre especialistas há consenso de que é preciso tirar automóveis dos 17 mil km de ruas e avenidas de São Paulo. Em especial, de 800 km de artérias mais importantes (um quarto das quais entra em colapso diariamente).
É preciso desde já planejar a adoção paulatina de medidas de restrição direta, como o pedágio urbano e a ampliação do rodízio, ainda que condicionadas à oferta de alternativas para quem renunciar ao uso do carro. A cidade já se aproxima da marca de mil veículos emplacados por dia.
Não há saída para o trânsito de São Paulo sem investimento maciço em transporte coletivo (ônibus) e de massa (metrô e trens).
A região metropolitana conta meros 11 corredores de ônibus, a maioria com velocidade média abaixo dos 20 km/h considerados ideais. Seria preciso triplicá-los, mas com projetos audaciosos, com viadutos e passagens subterrâneas para evitar cruzamentos, até trechos inteiros em nível elevado, como no projeto original do Fura-Fila.
Corredores de ônibus confortáveis, pontuais e céleres estão entre as opções mais rápidas e baratas para atrair quem hoje prefere deslocar-se de carro. Outra é converter os quase 300 km de linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) na Região Metropolitana de São Paulo em metrôs de superfície. Sem demandar milionárias desapropriações, basta investimento em tecnologia para diminuir o intervalo entre trens até um padrão similar ao do metrô.
A expansão do próprio metrô está em curso, mas em ritmo incompatível com as necessidades de São Paulo. Historicamente, 1,7 km/ano, com promessa de 8 km/ano até 2012. O ideal seria duplicar este ritmo de construção. O nó da questão está em como financiar um ambicioso e acelerado plano de expansão.
É verdade que os cidadãos já desembolsam quantias comparáveis a esse investimento, na forma de horas perdidas, desperdício de combustível e perda de produtividade. Coisa de R$ 30 bilhões anuais, na estimativa de Adriano Murgel Branco, ex-secretário estadual de Transportes. Mas não é simples delinear e muito menos implantar formas de transferir parte desse valor para uma revolução no sistema.
Acredite quem quiser que o poder público providenciará todos os R$ 48 bilhões de investimentos previstos no Plano Integrado de Transportes Urbanos (Pitu) até 2025. Sem parcerias com a iniciativa privada, a expansão não ocorrerá na velocidade necessária. Estado e município deveriam incluir, num planejamento coordenado de transportes e uso do solo, a montagem de intervenções urbanísticas de grande porte, em que a valorização induzida pela linha de metrô, trem ou corredor seja canalizada para remunerar o investidor.
A Companhia de Engenharia de Tráfego necessita igualmente de um reforço considerável. Hoje há apenas 1.800 agentes ("marronzinhos") em atividade, com equipamento precário. Para todo o sistema viário seria necessário quatro vezes mais. É inviável contratar tanto no curto prazo, mas há que recompor sua capacidade de intervenção.
A ampliação da rede de radares fixos e lombadas eletrônicas está parada há meses, por problemas na licitação -é imperioso agilizá-la. Só 20% da rede de 1.200 semáforos inteligentes se encontram em condições operacionais, e 2.500 dos 5.500 cruzamentos com semáforos ainda possuem equipamentos eletromecânicos, ultrapassados. A prefeitura planeja sanar a deficiência até o final do ano, mas começaria bem fazendo funcionar ao mesmo tempo todos os que já existem.
Há muito por fazer. Se as administrações municipal e estadual se limitarem ao trivial, proibindo estacionamento aqui ou ali, São Paulo vai continuar parando. Até parar de vez.


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