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São Paulo parada
Agravamento da lentidão no trânsito pede soluções bem mais ousadas do que prefeitura e governo do Estado têm oferecido
SUCESSIVOS recordes de
congestionamento tornam evidente o que ninguém queria ver: São Paulo, que não podia parar, está parando. A cidade colhe o resultado
de décadas de incúria, prioridades equivocadas, descaso com
transporte coletivo e obras faraônicas para desafogar o tráfego
de automóveis particulares.
Mais que estacionar em engarrafamentos quilométricos, São
Paulo involui. Cada vez mais pessoas abandonam ônibus (4,9 milhões de passageiros/dia, segundo dado de 2002) e trens (1,9 milhão) em favor de carros (7,5 milhões de trajetos diários) e até
viagens a pé (8
milhões por dia).
Eis aonde nos
conduziu a primazia do transporte individual.
Entre especialistas há consenso de que é preciso tirar automóveis dos 17 mil km
de ruas e avenidas de São Paulo.
Em especial, de
800 km de artérias mais importantes (um quarto das quais entra
em colapso diariamente).
É preciso desde
já planejar a adoção paulatina de
medidas de restrição direta, como o pedágio urbano e a ampliação do rodízio,
ainda que condicionadas à oferta
de alternativas para quem renunciar ao uso do carro. A cidade
já se aproxima da marca de mil
veículos emplacados por dia.
Não há saída para o trânsito de
São Paulo sem investimento maciço em transporte coletivo (ônibus) e de massa (metrô e trens).
A região metropolitana conta
meros 11 corredores de ônibus, a
maioria com velocidade média
abaixo dos 20 km/h considerados ideais. Seria preciso triplicá-los, mas com projetos audaciosos, com viadutos e passagens
subterrâneas para evitar cruzamentos, até trechos inteiros em
nível elevado, como no projeto
original do Fura-Fila.
Corredores de ônibus confortáveis, pontuais e céleres estão
entre as opções mais rápidas e
baratas para atrair quem hoje
prefere deslocar-se de carro. Outra é converter os quase 300 km
de linhas da CPTM (Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos) na Região Metropolitana de
São Paulo em metrôs de superfície. Sem demandar milionárias
desapropriações, basta investimento em tecnologia para diminuir o intervalo entre trens até
um padrão similar ao do metrô.
A expansão do próprio metrô
está em curso, mas em ritmo incompatível com as necessidades
de São Paulo. Historicamente,
1,7 km/ano, com promessa de 8
km/ano até 2012. O ideal seria
duplicar este ritmo de construção. O nó da questão está em como financiar um ambicioso e
acelerado plano de expansão.
É verdade que os cidadãos já
desembolsam quantias comparáveis a esse investimento, na
forma de horas perdidas, desperdício de combustível e perda de
produtividade. Coisa de R$ 30
bilhões anuais, na estimativa de
Adriano Murgel Branco, ex-secretário estadual de Transportes. Mas não é simples delinear e
muito menos implantar formas
de transferir parte desse valor
para uma revolução no sistema.
Acredite quem quiser que o poder público providenciará todos
os R$ 48 bilhões de investimentos previstos no
Plano Integrado
de Transportes
Urbanos (Pitu)
até 2025. Sem
parcerias com a
iniciativa privada, a expansão
não ocorrerá na
velocidade necessária. Estado
e município deveriam incluir,
num planejamento coordenado de transportes e uso do
solo, a montagem de intervenções urbanísticas de grande
porte, em que a
valorização induzida pela linha
de metrô, trem
ou corredor seja
canalizada para remunerar o investidor.
A Companhia de Engenharia
de Tráfego necessita igualmente
de um reforço considerável. Hoje há apenas 1.800 agentes
("marronzinhos") em atividade,
com equipamento precário. Para
todo o sistema viário seria necessário quatro vezes mais. É inviável contratar tanto no curto prazo, mas há que recompor sua capacidade de intervenção.
A ampliação da rede de radares
fixos e lombadas eletrônicas está
parada há meses, por problemas
na licitação -é imperioso agilizá-la. Só 20% da rede de 1.200 semáforos inteligentes se encontram em condições operacionais,
e 2.500 dos 5.500 cruzamentos
com semáforos ainda possuem
equipamentos eletromecânicos,
ultrapassados. A prefeitura planeja sanar a deficiência até o final do ano, mas começaria bem
fazendo funcionar ao mesmo
tempo todos os que já existem.
Há muito por fazer. Se as administrações municipal e estadual
se limitarem ao trivial, proibindo
estacionamento aqui ou ali, São
Paulo vai continuar parando. Até
parar de vez.
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