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RUY CASTRO
Bólido no calçadão
RIO DE JANEIRO - Dia sim, dia
não, caminho no calçadão aqui defronte. Ordens médicas. Contando
ida e volta, da estátua do Zózimo, no
final do Leblon, ao Arpoador, são
oito quilômetros de marcha batida.
Dá para fazer em uma hora, desde
que, seguindo os cânones estabelecidos por Millôr e outros pioneiros,
não se pare para falar com ninguém, nem com a Luiza Brunet, se
ela estiver a fim de um papo.
Marcha batida não significa correr, como fazem alguns que passam
bufando por mim na ciclovia, apostando uma corrida imaginária contra a própria barriga -a qual, por
mais que eles se esfalfem, sempre
chegará primeiro. Caminhar é caminhar e vice-versa, o que equivale
a mais que a velocidade passeio,
mas não tanto que os bofes nos
saiam pela boca.
Nesse percurso Leblon-Ipanema-Leblon, metade das pessoas
com quem se cruza são rapazes e
moças de pele dourada, carnes indecentemente firmes e que há anos
não dão um espirro. É natural que,
com esse excesso de saúde em estoque, eles nos deixem longe sem ter
de apressar o passo. Faz parte do jogo -eu mesmo vivo ultrapassando
engessados, artríticos e macróbios
em cadeiras de rodas.
Mas o humilhante é quando sinto
que, por trás de mim, à esquerda,
aproxima-se e vai passar celeremente... uma babá uniformizada,
empurrando um carrinho de bebê.
Como ela consegue? O curioso é
que, depois que a babá já me superou por vários corpos e carrinhos,
constato que fez isso com a maior
naturalidade, apenas caminhando.
Serei eu que, na ilusão de ser um bólido, estarei empatando o trânsito
no calçadão?
Tive certeza disso quando, há
pouco, comecei a ser ultrapassado
por babás empurrando carrinhos
duplos, transportando gêmeos. A
partir daí, é todo dia. E o que tem de
gêmeos no Leblon não é normal!
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