São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004 |
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TENDÊNCIAS / DEBATES Conflito de egos ou choque de idéias?
LUIZ GUSHIKEN
É possível pôr em destaque personagens anônimos envolvidos em projetos e ações que revelam profundos laços comunitários e admiráveis doses de paciência e garra pessoais. Acredito que haja maneiras de olhar para o cotidiano a partir da inventividade na resolução de problemas e dos compromissos solidários do povo. É positivo perceber o retrato de um país que, apesar do crônico quadro de exclusão e sofrimento, vê germinar, nas suas entranhas, o sentimento de auto-estima de seu povo. A segunda crítica incidiu sobre a seguinte frase: "Eu penso que a exploração do contraditório, muitas vezes, pode fomentar discórdia, conflitos de egos, quando, na verdade, são apenas disputas de idéias, normais no processo de debate". O princípio do contraditório, a meu ver, constitui método intrínseco aos debates, envolvendo interesses individuais ou coletivos, explicitados ou dissimulados, legítimos ou não. A questão é saber como esse princípio se aplica em atividades coletivas dentro do Estado, quando o propósito é chegar a um consenso, ou a uma opinião de maioria sobre determinada situação, ou ainda à escolha da ação mais sábia. Na aplicação do princípio do contraditório, duas faces podem ser reveladas pelos protagonistas: conflito de egos ou simples confronto de opiniões. Essa aparente nuance, que para alguns é uma sutileza secundária, em minha modesta visão é a questão de fundo em um processo dialógico. O que está em questão é a maneira como devem ser encaradas as duas formas de estabelecer o contraditório. Das duas, qual tipologia de debate melhor oferece a centelha de verdade ou a luz? Certamente não é a contradição inspirada na exacerbação de egos. Se é verdade que em quase todos os assuntos os debates e consultas são inerentes, igualmente relevante é identificar o padrão de busca da verdade que emerge desse processo. Um padrão adequado requer um processo consultivo, no qual os participantes se empenhem por transcender seus pontos de vista individuais, a fim de funcionarem como membros de um corpo com interesses e objetivos comuns. Em tal ambiente a resultante é conquista do grupo, e não do indivíduo, e, sob tais condições, decisões anteriores podem ser revistas ou corrigidas sem melindres. O que aqui está sendo dito é o reconhecimento da eficácia de um método que muitas organizações sociais e empresariais utilizam plenamente. Tal método, como princípio organizador, é vital para o sucesso do esforço coletivo e estratégico de uma sociedade. Nenhum princípio de autoridade efetiva é tão importante quanto dar prioridade à construção e manutenção da unidade entre os membros de uma sociedade e os membros de instituições administrativas. Não é tarefa simples para as organizações traduzir e tornar clara a dinâmica desse processo em que elementos contraditórios não constituem desagregação ou falta de unidade. A tarefa diária dos homens públicos é servir ao povo. Esse dever implica ter um espírito desprovido de ambições próprias ou interesses menores. Trata-se de estabelecer valores nos quais os comportamentos individuais sejam confrontados diuturnamente pela ética do interesse público. Aliás esses confrontos estão na raiz da saudável e permanente tensão entre imprensa e governo -tensão que revela o espírito democrático de uma sociedade. Nesse sentido, penso que a interlocução com a imprensa e o papel de mediador do jornalista levam para dentro do Estado um grau saudável de cobranças, quando a ótica da notícia está integralmente alicerçada na informação entendida como um serviço público. Por sua vez, a consolidação de princípios republicanos exige do Estado o dever de informar e o respeito ao direito à informação dos cidadãos. Essa é uma premissa cristalina e dela decorre que o padrão de relacionamento Estado/imprensa deve ser encarado, mutuamente, com tolerância, responsabilidade e liberdade. Outra observação que fiz, na mesma ocasião do discurso, apontava para o conceito da informação "jornalisticamente trabalhada". Acredito ser esta a maior contribuição da imprensa a um país no qual grande parte do povo não tem acesso ao consumo de bens informativos produzidos a partir das técnicas e da ética do jornalismo. Isso diz respeito, principalmente, à capacidade de dar informações para que a cidadania seja exercida e à insubstituível ação civilizatória do jornalista ao dar voz aos que vivem em silêncio, ao interpretar fatos complexos dentro do repertório comum das pessoas. Em resumo, como um dos problemas da mídia é conciliar velocidade com exatidão, a responsabilidade dos agentes públicos de prestar informações requer compreensão dessa natureza imperfeita. A lição é continuar a trabalhar, pacientemente e com firmeza, para que o Estado possa estabelecer padrões de comunicação com a imprensa capazes de fortalecer a ética do interesse público como o principal critério de relevância. Luiz Gushiken, 53, é ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Henry Isaac Sobel: Acordes pela paz mundial Índice |
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