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DÍVIDA HISTÓRICA
O pedido formal de desculpas
do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva aos africanos pelo passado
escravocrata do Brasil é um daqueles
gestos de grande valor simbólico. Se
não repara um dano que é, por definição, irreparável, admite sem eufemismos a participação do Brasil no
crime perpetrado durante séculos
contra negros e africanos.
Nunca é demais lembrar o que representou a nódoa da escravidão. Várias dezenas de milhões de africanos
foram reduzidos à condição de coisa
para servir aos interesses econômicos de uma pequena elite. Milhões
deles morreram nos abjetos porões
dos navios negreiros e depois da chegada às Américas. O Brasil assume
seu quinhão de culpa nessa ignomínia -a qual, diga-se, só teve a duração e a extensão conhecidas porque
contou com uma rede de interesses
estruturada em três continentes.
Entre os que mais lucraram com o
comércio escravista estão os mercadores e a coroa portugueses, senhores-de-engenho, mineradoras e cafeicultores brasileiros e também potentados africanos que arrebanhavam conterrâneos e os vendiam como escravos. A justa distribuição de
responsabilidades não pode ignorar
o papel da Igreja Católica, que não
apenas se beneficiou do fenômeno
como ainda produziu "justificativas"
teológicas para a escravidão.
O Brasil, como entidade política
soberana e independente de Portugal, só surgiu em 1822. Seria um erro, porém, pretender minimizar por
isso a participação do país nesse crime, já que sua formação social e econômica deriva em grande medida da
experiência alimentada no período
colonial. Lembre-se ainda que o Brasil foi o último país do mundo a promover a abolição, em 1888.
Paradoxalmente, embora o Estado
brasileiro tenha acatado e favorecido
a escravidão e as contribuições dos
africanos tenham sido decisivas para
formar nossa rica tradição cultural, o
país foi num certo sentido também
refém dela. Vários estudos vêem a
manutenção da escravidão até tempos tão tardios como fator decisivo
pelo atraso na gestação de um mercado de trabalho que teria sido importante para o surgimento de um
capitalismo mais desenvolvido e de
uma sociedade menos desigual.
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