São Paulo, sábado, 16 de abril de 2005

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CEGUEIRA DA LEI

Parece óbvio dizer que a lei existe para ser cumprida. Pode-se ir mais longe e afirmar que algumas das mazelas brasileiras têm como causa próxima ou remota a não-implementação das regras estabelecidas. Ainda assim, a aplicação irrefletida das leis pode às vezes produzir conseqüências tão ou mais devastadoras do que seu descumprimento.
O caso da empregada doméstica Maria Aparecida de Matos é exemplar. Ela está há 11 meses na cadeia. Lá, alega ter sido agredida, o que a levou a perder a visão do olho direito. Seus dois filhos pequenos estão privados do convívio com a mãe. Matos é acusada de tentativa de furto de um xampu e um condicionador de cabelos, no valor total de R$ 24.
Dado que o direito brasileiro observa o princípio da insignificância, isto é, costuma suspender a ação penal quando o crime cometido tem valor irrisório, um observador externo poderia considerar o caso como um típico erro de magistrado desatento. Infelizmente, não é bem assim. Pedido de habeas corpus em favor da empregada doméstica foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a mais alta instância judiciária do Estado. Para o TJ, Matos deve ficar presa porque é reincidente.
Reincidente ou não, o princípio da insignificância se impõe. Não faz sentido manter alguém por quase um ano na cadeia por um furto (crime cometido sem violência) dessa natureza. Os danos físicos e morais que Matos sofreu sob custódia do Estado são incomensuráveis e irreparáveis. Não há como compará-los ao mal que a presa causou à sociedade.
É incrível que, numa situação de grave crise de segurança pública, na qual especialistas falam em ampliar a aplicação de penas alternativas, reduzir a população carcerária e tornar a Justiça mais célere e moderna, ainda haja demonstrações de tamanha insensibilidade jurídica e social.


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