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CEGUEIRA DA LEI
Parece óbvio dizer que a lei
existe para ser cumprida. Pode-se ir mais longe e afirmar que algumas das mazelas brasileiras têm como causa próxima ou remota a não-implementação das regras estabelecidas. Ainda assim, a aplicação irrefletida das leis pode às vezes produzir
conseqüências tão ou mais devastadoras do que seu descumprimento.
O caso da empregada doméstica
Maria Aparecida de Matos é exemplar. Ela está há 11 meses na cadeia.
Lá, alega ter sido agredida, o que a levou a perder a visão do olho direito.
Seus dois filhos pequenos estão privados do convívio com a mãe. Matos
é acusada de tentativa de furto de um
xampu e um condicionador de cabelos, no valor total de R$ 24.
Dado que o direito brasileiro observa o princípio da insignificância, isto
é, costuma suspender a ação penal
quando o crime cometido tem valor
irrisório, um observador externo poderia considerar o caso como um típico erro de magistrado desatento.
Infelizmente, não é bem assim. Pedido de habeas corpus em favor da empregada doméstica foi negado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo, a
mais alta instância judiciária do Estado. Para o TJ, Matos deve ficar presa
porque é reincidente.
Reincidente ou não, o princípio da
insignificância se impõe. Não faz
sentido manter alguém por quase
um ano na cadeia por um furto (crime cometido sem violência) dessa
natureza. Os danos físicos e morais
que Matos sofreu sob custódia do Estado são incomensuráveis e irreparáveis. Não há como compará-los ao
mal que a presa causou à sociedade.
É incrível que, numa situação de
grave crise de segurança pública, na
qual especialistas falam em ampliar
a aplicação de penas alternativas, reduzir a população carcerária e tornar
a Justiça mais célere e moderna, ainda haja demonstrações de tamanha
insensibilidade jurídica e social.
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