São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Exemplo em Paranapiacaba

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

O exemplo da biblioteca os estimulou a criar a renda de cidadania, por causa de sua simplicidade para prover dignidade às pessoas

QUANDO ROSANI Evangelista da Cunha, secretária nacional de Renda e de Cidadania, concluir sua exposição sobre o desenvolvimento e os resultados positivos do programa Bolsa Família na tarde de hoje perante os participantes da Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios (a marcha dos prefeitos e das prefeitas dos municípios brasileiros), uma reflexão será posta: quando se dará a transição do programa Bolsa Família, que hoje beneficia 11,1 milhões de famílias, para a renda básica de cidadania?
Será possível que prefeitos façam de seus municípios exemplos pioneiros da renda básica de cidadania? Estará o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, disposto a colaborar nessa transição, uma vez que o programa Bolsa Família é administrado em uma colaboração do MDS com as prefeituras?
Há alguma experiência no mundo em desenvolvimento? Sim. Justamente onde se registra o maior coeficiente de desigualdade pelo índice de Gini, 0,743 (1993), a Namíbia, iniciou-se em janeiro deste ano, em Otjivero-Omitara, num assentamento rural em que moram 1.005 pessoas, o pagamento de uma renda básica de 100 dólares da Namíbia, equivalentes a US$ 12,50 por mês, a toda a população. A experiência piloto vai durar pelo menos dois anos. Em 2002, formou-se uma coalizão por uma renda básica na Namíbia, liderada pelo bispo Zephania Kameeta, composta pelas mais diversas organizações das igrejas, dos sindicatos e da sociedade civil.
O bispo Kameeta, que esteve no Brasil em 2006, ficou feliz quando soube que, aqui, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia sancionado a lei 10.835, que institui, por etapas, a renda básica de cidadania, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, como o faz o Bolsa Família.
Essa mesma coalizão resolveu levantar os fundos suficientes para a experiência pioneira, em cooperação com o governo.
No Brasil, na última sexta-feira, o Instituto pela Revitalização da Cidadania, por sua presidente, Bruna Augusto Pereira, e seu coordenador, Marcus Vinicius Brancaglione dos Santos, convidou a população da Vila de Paranapiacaba, município de Santo André (Estado de São Paulo), para uma reunião com a finalidade de explicar a proposta da criação de um Fundo Permanente da Renda Básica de Cidadania de Paranapiacaba, o qual tornará possível o pagamento de uma renda a todos os seus aproximadamente 1.400 habitantes.
Ao final da reunião, em que estavam presentes a subprefeita Vanessa Figueiredo, de Paranapiacaba, e o secretário-adjunto Gilson Lameira, representando o prefeito João Avamileno, a subprefeita perguntou: quem é a favor? Dos presentes, 100% o foram.
Paranapiacaba é um extraordinário patrimônio histórico e ambiental, tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e considerado pelo World Monuments Fund um dos cem monumentos mais importantes do mundo. Foi lá que, no século 19, o Barão de Mauá e os ingleses criaram uma das primeiras ferrovias do Brasil. Como Paranapiacaba é uma vila tão preciosa, na qual existem 18 pousadas, que recebeu no ano passado a visita de 61 mil turistas, circundada por mais de 150 empresas, estimam Bruna e Marcus que todas têm a disposição de fazer uma contribuição para que o fundo permanente se torne uma realidade e um exemplo para todo o Brasil.
Baseiam sua fé no que já criaram.
Uma biblioteca livre, para a qual as pessoas foram convidadas a doar livros e brinquedos para uso da comunidade, com o mínimo de burocracia.
As pessoas podem retirar os livros e brinquedos com o compromisso de bem cuidar enquanto os estiverem usando. Hoje a biblioteca tem 550 livros e é um sucesso apreciado por toda a comunidade.
O exemplo da biblioteca os estimulou a criar a renda de cidadania, exatamente por causa de sua simplicidade e racionalidade para prover dignidade e liberdade real às pessoas.


EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta".

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