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TENDÊNCIAS/DEBATES
Exemplo em Paranapiacaba
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
O exemplo da biblioteca os estimulou a criar a renda de cidadania, por causa de sua simplicidade para prover dignidade às pessoas
QUANDO ROSANI Evangelista
da Cunha, secretária nacional
de Renda e de Cidadania, concluir sua exposição sobre o desenvolvimento e os resultados positivos do
programa Bolsa Família na tarde de
hoje perante os participantes da Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios (a marcha dos prefeitos e das
prefeitas dos municípios brasileiros),
uma reflexão será posta: quando se
dará a transição do programa Bolsa
Família, que hoje beneficia 11,1 milhões de famílias, para a renda básica
de cidadania?
Será possível que prefeitos façam
de seus municípios exemplos pioneiros da renda básica de cidadania? Estará o ministro do Desenvolvimento
Social, Patrus Ananias, disposto a colaborar nessa transição, uma vez que
o programa Bolsa Família é administrado em uma colaboração do MDS
com as prefeituras?
Há alguma experiência no mundo
em desenvolvimento? Sim. Justamente onde se registra o maior coeficiente de desigualdade pelo índice de
Gini, 0,743 (1993), a Namíbia, iniciou-se em janeiro deste ano, em Otjivero-Omitara, num assentamento rural
em que moram 1.005 pessoas, o pagamento de uma renda básica de 100
dólares da Namíbia, equivalentes a
US$ 12,50 por mês, a toda a população. A experiência piloto vai durar pelo menos dois anos.
Em 2002, formou-se uma coalizão
por uma renda básica na Namíbia, liderada pelo bispo Zephania Kameeta,
composta pelas mais diversas organizações das igrejas, dos sindicatos e da
sociedade civil.
O bispo Kameeta, que esteve no
Brasil em 2006, ficou feliz quando
soube que, aqui, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva já havia sancionado a lei 10.835, que institui, por etapas, a renda básica de cidadania, a critério do Poder Executivo, começando
pelos mais necessitados, como o faz o
Bolsa Família.
Essa mesma coalizão resolveu levantar os fundos suficientes para a
experiência pioneira, em cooperação
com o governo.
No Brasil, na última sexta-feira, o
Instituto pela Revitalização da Cidadania, por sua presidente, Bruna Augusto Pereira, e seu coordenador,
Marcus Vinicius Brancaglione dos
Santos, convidou a população da Vila
de Paranapiacaba, município de Santo André (Estado de São Paulo), para
uma reunião com a finalidade de explicar a proposta da criação de um
Fundo Permanente da Renda Básica
de Cidadania de Paranapiacaba, o
qual tornará possível o pagamento de
uma renda a todos os seus aproximadamente 1.400 habitantes.
Ao final da reunião, em que estavam presentes a subprefeita Vanessa
Figueiredo, de Paranapiacaba, e o secretário-adjunto Gilson Lameira, representando o prefeito João Avamileno, a subprefeita perguntou: quem é a
favor? Dos presentes, 100% o foram.
Paranapiacaba é um extraordinário
patrimônio histórico e ambiental,
tombado pelo Condephaat (Conselho
de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico) e
considerado pelo World Monuments
Fund um dos cem monumentos mais
importantes do mundo. Foi lá que, no
século 19, o Barão de Mauá e os ingleses criaram uma das primeiras ferrovias do Brasil.
Como Paranapiacaba é uma vila tão
preciosa, na qual existem 18 pousadas, que recebeu no ano passado a visita de 61 mil turistas, circundada por
mais de 150 empresas, estimam Bruna e Marcus que todas têm a disposição de fazer uma contribuição para
que o fundo permanente se torne
uma realidade e um exemplo para todo o Brasil.
Baseiam sua fé no que já criaram.
Uma biblioteca livre, para a qual as
pessoas foram convidadas a doar livros e brinquedos para uso da comunidade, com o mínimo de burocracia.
As pessoas podem retirar os livros e
brinquedos com o compromisso de
bem cuidar enquanto os estiverem
usando. Hoje a biblioteca tem 550 livros e é um sucesso apreciado por toda a comunidade.
O exemplo da biblioteca os estimulou a criar a renda de cidadania, exatamente por causa de sua simplicidade e racionalidade para prover dignidade e liberdade real às pessoas.
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor
do livro "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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