São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mercosul: oportunidade e convicção

JUAN PABLO LOHLÉ

Num mundo em que a complexidade já se instalou e o unilateralismo procura vencer o multilateralismo, o Mercosul é um poderoso instrumento de desenvolvimento e inserção. Hoje estamos diante de uma grande oportunidade para consolidá-lo: a vontade política de nossos presidentes, o desejo de nossos povos e alguns passos já dados são alentadores.
Essa circunstância tão favorável ao aprofundamento do processo para nos inserirmos competitiva e pacificamente no cenário internacional e chegarmos ao ansiado mercado comum produz-se nesse marco de convicção política e sólida história de acordos e conquistas.
De fato, a relação Argentina-Brasil e o Mercosul têm se consolidado em todos os campos das relações internacionais. Somos um exemplo de zona de paz e de coerência política. O eficiente funcionamento da Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares), o abandono das hipóteses de conflito, o compromisso de nossos países com a democracia e os direitos humanos e o alto grau de coordenação de posições nos organismos internacionais, destacando-se o trabalho conjunto no Conselho de Segurança e a Ata de Copacabana, são amostras eloqüentes do significado de nossa integração política.
No âmbito econômico, negociamos conjuntamente na Alca, com a UE, com a CAN e na OMC, onde as coincidências são sólidas e produzem, além disso, uma imagem de bloco perante o mundo. Naturalmente, nossa relação não está isenta de discrepâncias nem esgotou nossa capacidade de ir mais fundo para levar a bom porto o processo de integração. Ainda há uma ampla margem para chegar a acordos mais profundos e vinculativos e para trabalhar na arquitetura interna do bloco.
No aspecto jurídico, tivemos um avanço com a aprovação do Protocolo de Olivos. De toda maneira, considero que um avanço não nos deve deixar por satisfeitos. Devemos ir em direção a um tribunal permanente, ao qual possam ter acesso os Estados e as pessoas físicas e jurídicas.


A construção da nossa sociedade Mercosul não pode se esquecer dos direitos dos sócios menores
Outrossim, é fundamental uma legislação homogênea em relação à hierarquia jurídica das normas, especialmente dos tratados do Mercosul. Isso dá a certeza de qual é o exato significado de um acordo na legislação de nossos parceiros e, por sua vez, permite que os estrangeiros saibam o grau de compromisso e o valor que tem. Para isso, considero essencial que os tratados tenham, nos quatro países, hierarquia superior à das leis ordinárias. Ou seja, devemos ter uma simetria constitucional.
Para concretizar os objetivos do Tratado de Assunção, constitutivo do Mercosul, e diante da vulnerabilidade de nossos países em relação aos fluxos internacionais de capital, há algumas ações que devemos empreender e que podem colaborar com a solidez de nossas economias e a previsibilidade dos fluxos comerciais: 1) a coordenação macroeconômica; e 2) a instalação de uma cláusula de salvaguardas ou de algum mecanismo de efeito similar no Mercosul, que permitiria evitar que bruscas oscilações nos fundamentos macro de nossas economias provocassem fortes distorções no comércio bilateral, reduzindo drasticamente a transferência para o mais alto nível político de conflitos comerciais que envolvem somente algum setor produtivo.
Também no âmbito econômico é importante trabalhar nas complementaridades. O impulso das cadeias de valor nos permitirá ser mais competitivos para, dessa maneira, evitar o desgaste desnecessário da concorrência entre os sócios e ter acesso a terceiros mercados.
Por outro lado, é importante destacar que resulta imperioso que, como dirigentes, observemos as necessidades de nossos cidadãos. Devemos acabar com as restrições trabalhistas, ter uma cooperação efetiva em matéria de segurança social e desemprego e um intercâmbio mais intenso em todos os âmbitos da cultura. A aproximação dos povos, sustentáculo-chave de todo processo de integração, também pode ser impulsionada fortemente a partir do plano político. A instauração de um Parlamento do Mercosul permitirá:
descentralizar a tomada de decisões e melhorar a capacidade de gestão;
fazer com que a integração seja também uma realidade para as regiões que menos tenham se vinculado;
e, através do conhecimento entre os dirigentes, alcançar um melhor entendimento das particularidades de cada região.
Às vezes, aparecem opiniões que não aceitam que tanto a Argentina quanto os outros parceiros do Mercosul possam ter legítimas necessidades, nem sempre iguais às brasileiras. A construção da nossa sociedade Mercosul, na qual o Brasil é o maior parceiro, não pode se esquecer dos direitos dos sócios menores.
Todos os processos de integração são longos e complexos e, sem dúvida, ganham forma e se consolidam num momento histórico preciso e definitivo. Estamos diante desse momento. Temos a vontade política e a convicção de nossos cidadãos de que o Mercosul é o caminho em direção ao futuro com justiça social e crescimento econômico.
Esta é a oportunidade e temos a convicção; só resta trabalhar numa institucionalização mais profunda do Mercosul, para estarmos à altura da vontade de nossos povos.

Juan Pablo Lohlé, 56, advogado e diplomata, é o embaixador da República Argentina no Brasil.


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