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Clareza necessária
Na primeira entrevista coletiva deste mandato, Lula condena os abusos grevistas por servidores públicos e nova reeleição
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ORAM NECESSÁRIOS quatro
meses e 15 dias para o presidente da República começar a realizar a promessa -feita em outubro de
2006- de se dirigir ao público
brasileiro, no segundo mandato,
por meio de entrevistas coletivas. O evento de ontem não bastou para "encher a paciência dos
jornalistas", como se expressara
Lula naquela ocasião. Serviu, porém, para esclarecer questões relevantes, a principiar pela condenação veemente de greves abusivas no setor público.
Confrontado com a pergunta
sobre o fato de um ex-sindicalista na Presidência preparar-se
para endurecer a regulamentação da greve por servidores, fez
uso menos inócuo do microfone
do que vinha sendo seu hábito e,
sem meias palavras, atacou as
paralisações prolongadas com
pagamento dos dias parados como o que são, "férias".
O presidente sinalizou que o
projeto em gestação -a ser discutido com as centrais sindicais- exigirá a manutenção de
serviços essenciais, pois "as vítimas são os pobres". Por fim, deixou claro que a greve constitui
um direito, por certo, mas também um risco, e que se trata de
"responsabilizar" seu exercício.
Lula também foi incomumente categórico ao recusar uma
candidatura em 2010: "Por não
brincar com a democracia, não
serei, nem pensarei, nem cogitarei qualquer hipótese de terceiro
mandato". Questionado sobre a
hipótese de a questão surgir no
Congresso, desautorizou iniciativas nessa direção: "Acho imprudência, e a minha orientação
para a base é de que ninguém
apresente qualquer projeto, o
que eu acho uma provocação à
democracia brasileira".
Não restam dúvidas, portanto.
Lula reiterou ser favorável a uma
reforma política que proíba a
reeleição e instaure um mandato
presidencial de cinco anos. Só
não desanuviou por inteiro o panorama ao se permitir o deslize
de afirmar ter sido obrigado a recandidatar-se, por exigência da
situação política. Ao menos em
tese, deixou aberta uma fresta
para que a conjuntura volte a exigir dele tamanho "sacrifício".
Confie-se que terá sido só um
lapso, incompatível como é com
a negativa peremptória.
Lula disse mais. Quer fazer o
seu sucessor, mesmo que não seja do PT. Espera terminar o governo em condições de subir em
qualquer palanque. Prometeu
fazer tudo que não fez no primeiro mandato e inundar o país com
planos ao estilo do PAC -para a
juventude, a segurança pública, a
agricultura, a indústria... Com
seu pendor para a hipérbole e para congratular-se por taxas de
crescimento medíocres, não poderiam ter faltado frases como
"nós vivemos o melhor momento da economia de toda a história
da República".
Arroubos à parte, eis aí a utilidade do ritual periódico das entrevistas coletivas numa democracia real: o governante se submete publicamente a prestar
contas de seus atos, planos e convicções. O tempo que decorrer
entre esta e as próximas entrevistas permitirá saber se Lula
passou a encará-las, enfim, como
obrigação a cumprir.
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