São Paulo, quarta-feira, 16 de maio de 2007

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Clareza necessária

Na primeira entrevista coletiva deste mandato, Lula condena os abusos grevistas por servidores públicos e nova reeleição F ORAM NECESSÁRIOS quatro meses e 15 dias para o presidente da República começar a realizar a promessa -feita em outubro de 2006- de se dirigir ao público brasileiro, no segundo mandato, por meio de entrevistas coletivas. O evento de ontem não bastou para "encher a paciência dos jornalistas", como se expressara Lula naquela ocasião. Serviu, porém, para esclarecer questões relevantes, a principiar pela condenação veemente de greves abusivas no setor público.
Confrontado com a pergunta sobre o fato de um ex-sindicalista na Presidência preparar-se para endurecer a regulamentação da greve por servidores, fez uso menos inócuo do microfone do que vinha sendo seu hábito e, sem meias palavras, atacou as paralisações prolongadas com pagamento dos dias parados como o que são, "férias".
O presidente sinalizou que o projeto em gestação -a ser discutido com as centrais sindicais- exigirá a manutenção de serviços essenciais, pois "as vítimas são os pobres". Por fim, deixou claro que a greve constitui um direito, por certo, mas também um risco, e que se trata de "responsabilizar" seu exercício.
Lula também foi incomumente categórico ao recusar uma candidatura em 2010: "Por não brincar com a democracia, não serei, nem pensarei, nem cogitarei qualquer hipótese de terceiro mandato". Questionado sobre a hipótese de a questão surgir no Congresso, desautorizou iniciativas nessa direção: "Acho imprudência, e a minha orientação para a base é de que ninguém apresente qualquer projeto, o que eu acho uma provocação à democracia brasileira".
Não restam dúvidas, portanto. Lula reiterou ser favorável a uma reforma política que proíba a reeleição e instaure um mandato presidencial de cinco anos. Só não desanuviou por inteiro o panorama ao se permitir o deslize de afirmar ter sido obrigado a recandidatar-se, por exigência da situação política. Ao menos em tese, deixou aberta uma fresta para que a conjuntura volte a exigir dele tamanho "sacrifício". Confie-se que terá sido só um lapso, incompatível como é com a negativa peremptória.
Lula disse mais. Quer fazer o seu sucessor, mesmo que não seja do PT. Espera terminar o governo em condições de subir em qualquer palanque. Prometeu fazer tudo que não fez no primeiro mandato e inundar o país com planos ao estilo do PAC -para a juventude, a segurança pública, a agricultura, a indústria... Com seu pendor para a hipérbole e para congratular-se por taxas de crescimento medíocres, não poderiam ter faltado frases como "nós vivemos o melhor momento da economia de toda a história da República".
Arroubos à parte, eis aí a utilidade do ritual periódico das entrevistas coletivas numa democracia real: o governante se submete publicamente a prestar contas de seus atos, planos e convicções. O tempo que decorrer entre esta e as próximas entrevistas permitirá saber se Lula passou a encará-las, enfim, como obrigação a cumprir.


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