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Clima e florestas: é hora de avançar
MÁRCIO SANTILLI
Perder a oportunidade de compartilhar os custos do combate ao desmatamento com os países desenvolvidos seria um desastre político
O ÚLTIMO relatório do IPCC
(Painel Intergovernamental
sobre Mudança Climática)
sensibilizou a opinião pública para o
tema. A inédita concentração de gases
de efeito estufa na atmosfera, causada
pela ação humana, provoca aumento
do nível dos oceanos e da intensidade
dos furacões, perda de biodiversidade, prejuízos a várias atividades econômicas e migrações em massa.
A principal razão é a excessiva
emissão de CO2 e de outros gases na
atmosfera por causa da queima de
combustíveis fósseis, responsáveis
por 80% do problema. Outros 20%
decorrem de queimadas, desmatamento e uso inadequado da terra.
Os países industrializados são historicamente os maiores responsáveis
pela poluição e, nos termos do Protocolo de Kyoto, têm metas obrigatórias
de redução. No topo do ranking, estão
os EUA, depois a China. Segue-se um
bloco de países em desenvolvimento,
onde está o Brasil, que estão entre os
grandes emissores atuais dos gases.
Porém, as emissões brasileiras têm
composição invertida em relação às
emissões globais: 75% decorrem do
desmatamento e das queimadas na
Amazônia, e sua redução é a maior
contribuição a dar ao clima mundial.
A convenção da ONU sobre mudança climática foi assinada no Brasil em
1992, e a nossa diplomacia teve papel
relevante para viabilizar Kyoto e criar
o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), um dos três mecanismos de compensação instituídos pelo
protocolo e o único que permite que
as metas de redução dos países desenvolvidos se cumpram, também, por
meio do financiamento de projetos
em países em desenvolvimento.
Mas o Brasil se opôs à inclusão de
projetos de redução do desmatamento entre os que são elegíveis no MDL,
e o protocolo ficou sem instrumentos
para trabalhar nosso principal fator
de emissões.
Em reunião da ONU em Milão, em
2003, um grupo de pesquisadores
apresentou nova proposta quanto às
emissões do desmatamento tropical,
sob o conceito da "redução compensada": os países em desenvolvimento
que comprovassem a redução de suas
taxas de desmatamento, entre 2008 e
2012, em relação às suas próprias médias históricas seriam compensados
pelos países desenvolvidos conforme
o valor de mercado da quantidade de
CO2 cuja emissão tenha sido evitada.
Essa abordagem facilitou a inclusão
do tema nas negociações internacionais. Um grupo de países, liderados
por Papua-Nova Guiné, apresentou o
conceito nas discussões oficiais. O governo brasileiro avançou e formulou
uma proposta, mas pretendendo que
a compensação se dê por meio de doações para um fundo, e não pela emissão de certificados de redução de
emissões válidos no mercado de carbono. Só que, se houver recursos significativos fora desse mercado, seria
mais defensável destiná-los aos países ilhéus, que devem submergir com
o aumento do nível dos oceanos.
Há quem diga, no governo brasileiro, que a oposição à compensação por
meio do mercado se deve à ausência
de benefícios adicionais para o clima,
pois a redução do desmatamento estaria apenas sendo descontada das
metas obrigatórias dos países desenvolvidos. Um argumento que beira o
cinismo, pois o Brasil sempre defendeu o MDL, que, como qualquer mecanismo de compensação, também
implica esse desconto. A vantagem
para o clima está em facilitar o cumprimento das metas e sua ampliação.
Com a recente decisão da União
Européia de ampliar suas metas de
redução para 20% abaixo dos níveis
de emissão de 1990 e até 30% caso outros países também ampliem as suas,
cai por terra o argumento contrário à
compensação pelo mercado. A redução compensada, além de viabilizar
recursos para os países em desenvolvimento, contribuiria para o aumento
das metas dos países desenvolvidos.
Outro argumento, de que a compensação por doações permitiria a
participação dos Estados Unidos, que
se excluíram do Protocolo de Kyoto e
do mercado do carbono, é questionável. Por que lançar uma tábua de salvação para um governo em final de
mandato, que não assume responsabilidades ante a crise climática?
A redução compensada tem duas
outras vantagens: é um conceito aplicável para que outros países em desenvolvimento reduzam emissões e
anula o pretexto dos EUA para rejeitar Kyoto porque grandes emissores
do Sul não contribuem.
Este ano será decisivo para o sucesso das negociações sobre desmatamento evitado, e o nosso governo precisa avançar. Perder a oportunidade
de compartilhar os custos do combate
ao desmatamento com os países desenvolvidos seria um desastre político difícil de ser reparado.
MÁRCIO SANTILLI, 51, é coordenador da campanha "Y
Ikatu Xingu do Instituto Socioambiental, ONG da qual é
sócio-fundador. Foi deputado federal pelo PMDB-SP
(1983-87) e presidente da Funai (1995-96).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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