São Paulo, quarta-feira, 16 de maio de 2007

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Clima e florestas: é hora de avançar

MÁRCIO SANTILLI

Perder a oportunidade de compartilhar os custos do combate ao desmatamento com os países desenvolvidos seria um desastre político

O ÚLTIMO relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) sensibilizou a opinião pública para o tema. A inédita concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, causada pela ação humana, provoca aumento do nível dos oceanos e da intensidade dos furacões, perda de biodiversidade, prejuízos a várias atividades econômicas e migrações em massa.
A principal razão é a excessiva emissão de CO2 e de outros gases na atmosfera por causa da queima de combustíveis fósseis, responsáveis por 80% do problema. Outros 20% decorrem de queimadas, desmatamento e uso inadequado da terra.
Os países industrializados são historicamente os maiores responsáveis pela poluição e, nos termos do Protocolo de Kyoto, têm metas obrigatórias de redução. No topo do ranking, estão os EUA, depois a China. Segue-se um bloco de países em desenvolvimento, onde está o Brasil, que estão entre os grandes emissores atuais dos gases.
Porém, as emissões brasileiras têm composição invertida em relação às emissões globais: 75% decorrem do desmatamento e das queimadas na Amazônia, e sua redução é a maior contribuição a dar ao clima mundial.
A convenção da ONU sobre mudança climática foi assinada no Brasil em 1992, e a nossa diplomacia teve papel relevante para viabilizar Kyoto e criar o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), um dos três mecanismos de compensação instituídos pelo protocolo e o único que permite que as metas de redução dos países desenvolvidos se cumpram, também, por meio do financiamento de projetos em países em desenvolvimento.
Mas o Brasil se opôs à inclusão de projetos de redução do desmatamento entre os que são elegíveis no MDL, e o protocolo ficou sem instrumentos para trabalhar nosso principal fator de emissões.
Em reunião da ONU em Milão, em 2003, um grupo de pesquisadores apresentou nova proposta quanto às emissões do desmatamento tropical, sob o conceito da "redução compensada": os países em desenvolvimento que comprovassem a redução de suas taxas de desmatamento, entre 2008 e 2012, em relação às suas próprias médias históricas seriam compensados pelos países desenvolvidos conforme o valor de mercado da quantidade de CO2 cuja emissão tenha sido evitada.
Essa abordagem facilitou a inclusão do tema nas negociações internacionais. Um grupo de países, liderados por Papua-Nova Guiné, apresentou o conceito nas discussões oficiais. O governo brasileiro avançou e formulou uma proposta, mas pretendendo que a compensação se dê por meio de doações para um fundo, e não pela emissão de certificados de redução de emissões válidos no mercado de carbono. Só que, se houver recursos significativos fora desse mercado, seria mais defensável destiná-los aos países ilhéus, que devem submergir com o aumento do nível dos oceanos.
Há quem diga, no governo brasileiro, que a oposição à compensação por meio do mercado se deve à ausência de benefícios adicionais para o clima, pois a redução do desmatamento estaria apenas sendo descontada das metas obrigatórias dos países desenvolvidos. Um argumento que beira o cinismo, pois o Brasil sempre defendeu o MDL, que, como qualquer mecanismo de compensação, também implica esse desconto. A vantagem para o clima está em facilitar o cumprimento das metas e sua ampliação.
Com a recente decisão da União Européia de ampliar suas metas de redução para 20% abaixo dos níveis de emissão de 1990 e até 30% caso outros países também ampliem as suas, cai por terra o argumento contrário à compensação pelo mercado. A redução compensada, além de viabilizar recursos para os países em desenvolvimento, contribuiria para o aumento das metas dos países desenvolvidos.
Outro argumento, de que a compensação por doações permitiria a participação dos Estados Unidos, que se excluíram do Protocolo de Kyoto e do mercado do carbono, é questionável. Por que lançar uma tábua de salvação para um governo em final de mandato, que não assume responsabilidades ante a crise climática?
A redução compensada tem duas outras vantagens: é um conceito aplicável para que outros países em desenvolvimento reduzam emissões e anula o pretexto dos EUA para rejeitar Kyoto porque grandes emissores do Sul não contribuem.
Este ano será decisivo para o sucesso das negociações sobre desmatamento evitado, e o nosso governo precisa avançar. Perder a oportunidade de compartilhar os custos do combate ao desmatamento com os países desenvolvidos seria um desastre político difícil de ser reparado.


MÁRCIO SANTILLI, 51, é coordenador da campanha "Y Ikatu Xingu do Instituto Socioambiental, ONG da qual é sócio-fundador. Foi deputado federal pelo PMDB-SP (1983-87) e presidente da Funai (1995-96).

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