São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

O real do Real

Já lá se vão dez anos desde quando, ainda no governo Itamar Franco, o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, colocou em marcha o que seria o Plano Real. A sua implementação muito se deveu à diligência do ilustre embaixador Rubens Ricupero. A concepção do plano foi brilhante, e os seus resultados foram notáveis no que se refere ao controle da inflação. Hoje, acostumados a dez anos de inflação relativamente baixa (6% a 7% ao ano) e com pequena variabilidade, temos tendência a reduzir a importância daquele fato devido a dois motivos. O primeiro, bem claro para os economistas que sabem que, mesmo sendo a inflação um fenômeno basicamente monetário, ela não pode prosperar sem que haja alguma irresponsabilidade fiscal. Inicialmente, os déficits podem ser cobertos com o crescimento da dívida pública, mas pouco a pouco aumentam a dívida e a velocidade de sua formação, porque os credores exigem taxas de juros crescentes para correr o risco de sofrer um "default". No caso brasileiro, os credores recusam-se a financiar a dívida quando a relação dívida líquida do setor público/PIB ultrapassa o limite "mágico" de 56%.
O segundo motivo é que a inflação desapareceu do mundo. Hoje, por exemplo, dos 40 países cujas estatísticas são publicadas semanalmente pela "The Economist", apenas um (a Venezuela, com 23%) tem taxa de inflação anual maior do que 10% (Turquia tem 10,2% e Rússia tem 10,3%).
Um crítico severo não faria justiça se dissesse que o governo FHC não fez mais do que o mínimo do que dele se esperava: colocar a taxa de inflação nacional no nível da verificada nos países que detêm 97% do PIB mundial. E mais: que levou oito anos de crescimento absolutamente ridículo para fazê-lo. Quando se compara com programas de estabilização bem-sucedidos em outros países, o Real deixou efeitos colaterais que empanam o seu brilho, como é o caso do endividamento interno e externo.
É possível fazer uma apreciação do resultado físico do plano Real dividindo-o em seus dois períodos naturais: 1995/98, quando a política econômica foi formulada por nossos economistas; e o período de 1999 a 2002, quando ela se submeteu à orientação do Fundo Monetário Internacional, porque o país havia quebrado às vésperas da reeleição de FHC, uma história comentada nos livros de Paul Blustein ("The Chastening", de 2001) e de Robert Rubin ("In An Incertain World", de 2003).
Utilizando os dados da composição do produto interno bruto (PIB) de 1994 como base, e de 1998 e 2002 para separar o primeiro do segundo mandato, temos:




Os cálculos fazem sentido porque os preços relativos dos bens de produção não se alteraram muito no período. O custo final do Real foi, infelizmente, muito caro para a sociedade. Compramos a estabilidade à custa de um crescimento pífio, do aumento do tamanho do governo, e recebemos, como herança, a maior dívida que este país já teve.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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