São Paulo, sexta-feira, 16 de junho de 2006

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JOSÉ SARNEY

A agonia da Varig

ASSIS CHATEAUBRIAND , quando advertido por João Calmon, superintendente dos Diários Associados, de que a situação de "O Jornal", que então circulava no Rio, era crítica, respondeu: "Não se desespere, Calmon, jornal não morre de enfarte. E a doença que o mata leva, no mínimo, dez anos". Com as companhias de aviação o tempo é bem maior. A fascinação da nossa geração foi a aventura de voar, romper distâncias entre nuvens e ventos. Era como, hoje, as novas técnicas de comunicação, a TV digital, os satélites e os i-pods. Lembro-me bem de um texto de Da Vinci no qual ele profetizava que era nas grandes altitudes que os ventos tinham alta velocidade. Com o avanço da ciência, constatou-se que ele tinha razão. É lá que habitam as grandes ventanias, e não ao rés do chão. Ele se preocupou com o vôo e tentou inventar máquinas de voar. Vi, encantado, no vale do Loire, na casa em que Francisco 1º lhe deu, belos modelos dessa sua obsessão. Recordo, sem apagar com os anos, o espanto com que vi pela primeira vez um avião. Tinha oito anos, e foi na cidade de Balsas. Toda a cidade foi para o campo de pouso olhando, como disse Aristides Lobo da República, bestificado, o pássaro descido do céu e com gente dentro. Todos os meninos do meu tempo queriam ser aviadores. Era o fascínio de voar e, ao descer, as moças suspirarem com nossa coragem. Moço, no ginásio, eram os hidroaviões da Nirba Lines (?) a deslizar em frente à cidade de São Luís e parar no ancoradouro no meio do rio Anil. Depois, minhas primeiras viagens aéreas. Já então a Varig era o máximo. Marca de conforto e segurança. Por acaso estava em Paris, com uma passagem da Panair, quando esta perdeu suas linhas do exterior e a Varig passou a substituí-la. Morria a Panair, como morreu a Panam, americana, gigantes e ícones dos tempos heróicos da aviação comercial. Ruben Berta, o fundador da Varig, com as coragens e as audácias de pioneiro, convidou-me para o primeiro vôo para Tóquio. Ele dizia-me que, com esta linha, a Varig dava a volta ao mundo. Morreu antes que isso acontecesse. Vejo agora a agonia da Varig. Lembro-me do seu charme e do seu esplendor naqueles anos. A beleza dos Constellations, dos Douglas DC-4, 5, 6, 7C. A novidade do Caravelle e, depois, dos jatos modernos. Como as pessoas, os objetos, os sonhos e as empresas morrem. É com nostalgia que assisto aos estertores das asas abertas por Berta. Pagam o preço do seu pioneirismo e do tempo. Quanto tempo levam as empresas aéreas para morrer? Sem dúvida mais do que os jornais. Que bom se ela se salvasse. Mas Varig, Varig, Varig!

jose-sarney@uol.com.br


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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