|
Próximo Texto | Índice
A comédia bovina
Conselho de Ética tenta isentar Renan Calheiros sem investigação; para salvar as aparências, já aceita ouvir depoimentos
A FARSA montada no
Conselho de Ética do
Senado teve ontem um
novo capítulo. Sob o
impacto de revelações sobre os
malabarismos pecuários do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) pelo "Jornal Nacional", deu-se o que todos naquele palco queriam evitar: ficou adiado para
terça-feira o ensaiado arquivamento do processo por quebra
de decoro pelo presidente da Casa. Sem investigação digna desse
nome, por suposto.
O roteiro é obra coletiva dos
senadores, mas carrega a assinatura de Epitácio Cafeteira (PTB-MA). Ontem ele interpretou até
um melodrama familiar para justificar sua viravolta na anunciada decisão de deixar a relatoria,
caso sua peça engavetadora não
fosse aprovada. No papel de
coadjuvante da pantomima erra
pela cena Sibá Machado (PT-AC). No coro dos contentes com
o enredo, senadores de todos os
partidos. Na direção, segue firme
Renan Calheiros.
Não bastaram, contudo, as
conversas cara a cara que convocou ontem com vários atores do
conselho -inclusive o relator. É
temerário imaginar o que terão
tratado. Diante da rápida deterioração da defesa do presidente
do Senado, acelerada pelo acúmulo de indícios de fabricação
em documentos de transações
com gado para justificar sua renda, o próprio senador considerou
prudente aceitar um adiamento.
Machado e Cafeteira vinham
até então seguindo com obediência falas e deixas sopradas pelos
caciques de coxia, de situação e
oposição. Só não se aprovou o
acintoso relatório Cafeteira -o
epitáfio, como o texto já é apelidado nas piadas brasilienses-
porque uma minoria de senadores ainda julga importante dar
satisfações à platéia da opinião
pública. Pressentiram que ficaria
ruim para Renan Calheiros, e
pior ainda para a instituição.
Cafeteira alega "absoluta ausência de provas ou indícios". Inversão no mínimo curiosa, pois é
de fatos que se trata, confirmados por todas as partes: o presidente do Senado serviu-se de um
lobista para fazer pagamentos
regulares -em dinheiro- à mãe
de sua filha, em recinto de empreiteira de obras públicas.
Se isso não for indício bastante
para justificar uma investigação,
fica difícil imaginar o que possa
vir a sê-lo. No conceito que faz
Renan Calheiros da moralidade
pública, pelo visto partilhado pelo Conselho de Ética, seria procedimento normal.
A contragosto, já se aceita ali o
óbvio: ouvir ao menos a beneficiária da pensão e seu advogado,
além de periciar os documentos
ora trazidos à baila (por que não
antes?). Mas não basta Cafeteira,
Machado ou qualquer senador
darem-se por esclarecidos com
os negócios agropecuários implausíveis: é o público que exige
ser convencido, com provas ligando saques e pagamentos.
Renan Calheiros, mais que
nunca e à luz do interesse republicano, deveria ponderar sua
decisão de manter-se na presidência do Senado. Seu protagonismo na encenação do conselho
se torna mais e mais arriscado
para a reputação do Senado Federal, que já não é das melhores.
Próximo Texto: Editoriais: Os templos e a cultura
Índice
|