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Os templos e a cultura
SEIS MESES depois de engalfinhar-se com esportistas na
disputa por verbas públicas,
artistas voltam a mobilizar-se
para preservar suas subvenções.
Circula pela internet um abaixo-assinado, que já conta com o
apoio de 25 mil pessoas, de repúdio ao projeto de lei do senador
Marcelo Crivella (PRB-RJ) que
pretende estender a igrejas os
benefícios da Lei Rouanet.
Desta vez, contudo, a posição
dos artistas é inatacável. A proposta de Crivella é escandalosa.
A um só tempo, ela conspurca o
caráter laico do Estado brasileiro
(art. 19 da Constituição), atenta
contra a lógica econômica (igrejas já gozam de imunidade tributária) e fere o princípio da moralidade da administração pública,
pois seu autor é bispo da Igreja
Universal do Reino de Deus, podendo, em princípio, beneficiar-se com a medida.
Pelo texto, empresas poderiam
deduzir investimentos em projetos culturais de igrejas até o valor
de 4% de seu Imposto de Renda.
Em 2006, o sistema de incentivo
à cultura movimentou recursos
da ordem de R$ 815 milhões.
Crivella procura rebater as críticas afirmando que o projeto só
"explicita" o que a atual legislação já permite, que é restaurar
"igrejas centenárias" que estejam "caindo na cabeça" das pessoas. Ora, se a lei já o autoriza,
não há necessidade de modificá-la, muito menos introduzindo
entre seus objetivos termos vagos como apoio a "crenças e tradições", que em teoria abririam
brecha para que o poder público
financiasse até mesmo campanhas de evangelização.
Vale lembrar que uma improvável aliança entre católicos e
evangélicos conseguiu transformar o ensino religioso no Estado
do Rio de Janeiro num verdadeiro centro de proselitismo financiado pelo dinheiro dos contribuintes, não obstante a proibição legal de fazê-lo.
Resta esperar que os parlamentares ou o Executivo barrem
a iniciativa antes que seja tarde.
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