São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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Os templos e a cultura

SEIS MESES depois de engalfinhar-se com esportistas na disputa por verbas públicas, artistas voltam a mobilizar-se para preservar suas subvenções. Circula pela internet um abaixo-assinado, que já conta com o apoio de 25 mil pessoas, de repúdio ao projeto de lei do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) que pretende estender a igrejas os benefícios da Lei Rouanet.
Desta vez, contudo, a posição dos artistas é inatacável. A proposta de Crivella é escandalosa. A um só tempo, ela conspurca o caráter laico do Estado brasileiro (art. 19 da Constituição), atenta contra a lógica econômica (igrejas já gozam de imunidade tributária) e fere o princípio da moralidade da administração pública, pois seu autor é bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, podendo, em princípio, beneficiar-se com a medida.
Pelo texto, empresas poderiam deduzir investimentos em projetos culturais de igrejas até o valor de 4% de seu Imposto de Renda. Em 2006, o sistema de incentivo à cultura movimentou recursos da ordem de R$ 815 milhões.
Crivella procura rebater as críticas afirmando que o projeto só "explicita" o que a atual legislação já permite, que é restaurar "igrejas centenárias" que estejam "caindo na cabeça" das pessoas. Ora, se a lei já o autoriza, não há necessidade de modificá-la, muito menos introduzindo entre seus objetivos termos vagos como apoio a "crenças e tradições", que em teoria abririam brecha para que o poder público financiasse até mesmo campanhas de evangelização.
Vale lembrar que uma improvável aliança entre católicos e evangélicos conseguiu transformar o ensino religioso no Estado do Rio de Janeiro num verdadeiro centro de proselitismo financiado pelo dinheiro dos contribuintes, não obstante a proibição legal de fazê-lo.
Resta esperar que os parlamentares ou o Executivo barrem a iniciativa antes que seja tarde.


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