|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS NOBRE
Violência na USP
ANÁLISES da violência da última semana na USP falaram em nome da democracia. Tanto quem apoiou como
quem condenou o recurso à força
policial apelaram para a Constituição Federal e para o Estado democrático de Direito. Esse apelo comum mostra consolidação e vivacidade da Constituição e da democracia no país. Mas só quer dizer alguma coisa se ficar claro o que realmente está em jogo nesse caso.
E o que está em jogo certamente
não é a ação policial. Ela é sintoma,
não causa. O fundamental é saber
por que afinal a polícia foi chamada. Dizer que uma intervenção da
polícia hoje é diferente de outra
praticada durante a ditadura militar é dizer o óbvio. Dizer que a ação
da polícia pretendia simplesmente
restaurar a ordem ignora que todo
o problema está justamente nessa
ordem a ser restaurada.
No Brasil, as universidades foram espaços fundamentais de resistência à ditadura militar. Tentavam se organizar como refúgios em
que se procurava produzir em escala reduzida o que se pretendia
expandir um dia como um ambiente de convivência democrática
mais amplo. Um requisito crucial
era o de manter a polícia o quanto
possível longe desse experimento.
A ditadura foi pouco a pouco derrotada. Instituições democráticas
se firmaram. Mas esse não é um
processo uniforme rumo ao melhor: basta ver a podridão exposta
do Congresso Nacional. Também
não é um processo automático: a
mera existência de instituições democráticas não garante que a sociedade como um todo se tenha
democratizado.
O que torna o conflito na USP
mais amplo do que os muros da escola é justamente o fato de revelar
quão baixo ainda é o nível de democratização da sociedade brasileira.
O episódio mostra com clareza que
energias de protesto e de mudança
continuam represadas em universidades, sem encontrar canais efetivos de expressão na esfera pública e na política institucional.
A USP tornou-se um emblema
desse nó social por insistir em
manter uma estrutura de participação e uma forma de escolher dirigentes que se parece mais com o
conclave que elege o papa. Continua a preservar a estrutura de uma
universidade de cátedras, modelo
rejeitado pela própria USP há mais
de 40 anos.
A recusa em proceder a uma reforma estrutural aprofunda cada
vez mais o isolamento da administração em relação à comunidade da
universidade, visível há mais de
uma década. Produz atritos internos que rapidamente degeneram
em conflitos artificiais. O apelo à
intervenção policial é o último recurso de um grupo dirigente divorciado da própria universidade.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Quartel de Abrantes Próximo Texto: Frases
Índice
|