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JOSÉ SARNEY
O sofá das infidelidades
A cada eleição, todas as forças
imaginativas se conjugam para
evitar deslealdades partidárias. No
pleito passado, o próprio Tribunal Superior Eleitoral tomou a frente e quis
meter uma camisa-de-força nos partidos. O resultado foi uma balbúrdia
sem tamanho: tornou caótico o quadro partidário, a não ser nos acordos
escondidos, muitos deles bem cabeludos. É que o problema é bem mais
profundo.
O Brasil é muito grande (frase rara),
e suas realidades são totalmente diversas, para não dizer que, freqüentemente, opostas. O operário de São
Paulo é classe média no Nordeste. O
empresário do Nordeste é vendedor
ambulante na 25 de Março paulistana.
Se na paisagem humana é assim, pior
nas paisagens sociais.
No Brasil, partidos nacionais e homogêneos são contra as leis do possível. Ulisses dizia que ninguém morava
na União. Eu acrescento: mora no
município. Em cada um deles existe
um partido com suas rivalidades autônomas, independentes de qualquer
legenda. Nas eleições municipais, os
eleitores atiram com pistola mais de
perto, deixam de lado razões doutrinárias ou políticas.
"Não me peçam coerência", já dizia
Fernando Pessoa. Esse é o lema das
eleições municipais. Tome-se o exemplo do Rio de Janeiro, o mais falado.
Atravessou a baía, passou a ponte, e já
um partido é outro, sendo o mesmo
que o outro era. O mesmo acontece no
país inteiro, fenômeno autêntico da irrealidade do quadro partidário, dito
nacional, na verdade distrital.
Há bastante tempo, na década de 70,
fiz uma conferência na Escola Superior de Guerra sobre partidos políticos. E repetia a mais simples de todas
as definições sobre eles: "É um grupo
de pressão que, na sociedade democrática, não deseja influenciar o poder,
mas deseja exercer o poder" e, para isso, todas as alianças são buscadas,
mesmo que não sejam coerentes. Passam a ser as regras do embate político,
o jogo do poder, que muitas vezes se
transforma numa guerra. Aliás, foi Lênin que propôs que à política fossem
aplicadas as leis da guerra: aniquilar o
inimigo de todas as maneiras e com
todas as armas. Daí essa amoralidade
ou imoralidade de que os fins justificam os meios.
As alianças que se formam podem
parecer estranhas, mas são legítimas,
porque representativas. É o caso da
China, que está lutando para evitar a
entrada do Viagra temendo que ele
venha a destruir o seu programa de
natalidade, assanhando os chineses.
Assim, suspendeu as patentes e começou a enfrentar as falsificações, porque
a realidade necessária ninguém segura, principalmente o desejo da ilusão
colorida de uma aliança. O mesmo
que acontece, com mais praticidade e
menos prazer, com as nossas eleições
municipais.
Querer evitá-las é o mesmo que tirar
o sofá da sala. Só que esse é um sofá
que não tem como sair e será o permanente lugar das infidelidades, com encontro marcado, de quatro em quatro
anos.
Em Cingapura, também foi proibido
chiclete. Depois de muito protesto, inclusive dos americanos, foi liberado,
desde que usado com receita médica.
Não é o caso de Niterói nem de São
Paulo.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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