São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Transferência de renda e nível de emprego

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

A sociedade brasileira precisa estar mais consciente dos efeitos que as diversas formas de transferência de renda têm na competitividade da economia, no nível de emprego e no PIB. Assim, quando se fixa o valor do salário mínimo, faz-se necessário saber o quanto o trabalhador vai efetivamente ganhar considerando outros benefícios recebidos, como o salário-família e o Bolsa-Família.
Observemos o que acontece com o trabalhador que recebe um salário mínimo nos EUA, hoje em US$ 5,20 por hora. Trabalhando 160 horas por mês, ao longo de 12 meses ele receberá US$ 9.984. Nos EUA, se um trabalhador receber um salário anual da ordem de US$ 10.000 e tiver uma esposa e duas ou mais crianças, terá o direito de receber um crédito fiscal por remuneração recebida, o Earned Income Tax Credit, EITC, da ordem de US$ 4.200. Portanto sua renda anual será de US$ 14.200, valor que se aproxima ou supera a linha oficial de pobreza naquele país.
Quais os efeitos desse benefício?
Primeiro, contribui para a redução da pobreza e a ampliação do emprego. O que significa que a sociedade norte-americana resolveu pagar um acréscimo de renda aos trabalhadores cujo rendimento não é suficiente para atender suas necessidades básicas e as de sua família. Segundo, do ponto de vista das empresas significa que seus trabalhadores terão um acréscimo de remuneração sem a elevação de custos. Graças a esse instrumento, a economia norte-americana torna-se mais competitiva em relação àquelas que não adotaram sistema semelhante.


Em 2003, os EUA pagaram US$ 37 bilhões de crédito por remuneração recebida a mais de 20 milhões de famílias


O EITC foi implantado nos EUA em 1975, por iniciativa do senador Russel Long, democrata de Louisiana, ao tempo do presidente republicano Gerald Ford, e incrementado por Bill Clinton, democrata, no início de seu primeiro mandato, em 1993, quando a taxa de desemprego era de 7,5%.
Para ter uma idéia da importância do EITC no governo de Clinton, na sua obra biográfica aparecem 17 citações sobre ele. Clinton ressalta a necessidade de dobrar o valor desse benefício para todos os trabalhadores que ganhassem menos que US$ 30.000 anuais. Desejava também estender esse direito, ainda que em menor valor, para os trabalhadores sem dependentes. Segundo o ex-presidente, "nenhum trabalhador que tenha crianças e trabalhe em tempo integral deve viver em condições de pobreza".
A expansão do EITC, sob a orientação do Nobel de Economia Joseph Stiglitz, associada a outros instrumentos, de responsabilidade do presidente do Fed, Alan Greenspan, viabilizou uma alta taxa de crescimento econômico nos anos 90. A taxa de desemprego declinou até 3,9% ao final do governo Clinton.
Outras economias desenvolvidas criaram instrumentos semelhantes. No Reino Unido, onde já havia o Income Support, o primeiro-ministro Tony Blair criou o Family Tax Credit. O trabalhador inglês que tem uma remuneração de 800 libras esterlinas, se tiver uma família, receberá mais 400 libras de crédito fiscal. Outros países europeus dispõem de outras formas de transferência de renda.
Em 2003, os EUA pagaram US$ 37 bilhões de crédito por remuneração recebida a mais de 20 milhões de famílias, abrangendo aproximadamente 50 milhões de pessoas. Foi uma forma de subsidiar seus trabalhadores. Deveríamos nós, brasileiros, protestar na OMC como fizemos com os subsídios aos produtores de algodão? Creio que não.
O que devemos fazer é criar um mecanismo pelo menos tão eficaz quanto o EITC. O governo Lula implementou o Bolsa-Família, programa que pode ser visto como um primeiro passo na direção de uma melhor distribuição de renda compatível com o grau de competitividade da economia brasileira. Atualmente, um trabalhador que recebe um salário mínimo de R$ 260 por mês, tendo esposa e duas crianças, tem direito a R$ 40 de salário-família, o que eleva sua renda familiar mensal para R$ 300, ou R$ 75 per capita. Com a implantação do Bolsa-Família ele tem direito a mais R$ 30 por mês, o que faz com que sua renda mensal aumente para R$ 330.
Melhor será quando o Bolsa-Família se transformar no Renda Básica de Cidadania: uma modesta renda, suficiente para atender às necessidades básicas das pessoas, paga a todos os brasileiros, incondicionalmente, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica. Trata-se de um instrumento equivalente ao imposto de renda negativo, só que mais racional e eficaz.
Em dezembro de 2003 o Congresso Nacional aprovou e o presidente Lula sancionou, em janeiro último, a lei que institui gradualmente no Brasil, a partir de 2005, a Renda Básica de Cidadania.
A confirmação de que a Renda Básica de Cidadania é melhor do que o EITC pode ser observada na história recente do Alasca. Lá, além de programas como o EITC, também foi instituído um sistema de dividendos anuais pagos igualmente a todos os seus habitantes. Esse programa fez com que nos anos 90, nos EUA, a renda média das famílias 20% mais ricas aumentasse 26% e a das famílias 20% mais pobres, 12%. Já no Alasca, a renda média das famílias 20% mais ricas cresceu 7%, enquanto a das famílias 20% mais pobres cresceu 28%. Justamente uma evolução de maior eqüidade que tanto se faz necessária no Brasil.

Eduardo Matarazzo Suplicy, 63, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), senador pelo PT-SP, é professor da Eaesp-FGV.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Roberto Jefferson: Um novo PTB
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.