São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2007

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TV digital: sem entregar o ouro aos piratas

ATTILIO GORINI e RODRIGO BORGES CARNEIRO


A ausência do sistema de restrição de cópia, assim, tende a ser mais prejudicial ao interesse público do país do que a sua presença


EM 3/7 , o professor Ronaldo Lemos escreveu excelente artigo nesta mesma seção tecendo comentários sobre a adoção ou não do sistema de restrição de cópia (DRM) na TV digital brasileira. Seus comentários levaram em consideração os impactos econômico, jurídico e político de eventual implantação do DRM, e seu posicionamento foi, em resumo, contrário ao sistema.
Pedimos licença para "jogar lenha na fogueira" e trazer ao debate uma visão diferente. Cremos que não há nada melhor que um amplo debate para expor a questão.
Economicamente, não há dúvidas de que a implantação do sistema de restrição de cópia na TV digital representa um custo -e esse custo poderia eventualmente vir a ser repassado ao consumidor ou contribuinte. No entanto, o custo tende a ser marginal se comparado, por exemplo, com as perdas econômicas que a falta do DRM poderia gerar.
Explica-se: sem o sistema de restrição de cópia na TV digital, os titulares dos direitos sobre as obras se veriam alvo da disseminação irrestrita de cópias de alta definição de sua propriedade intelectual.
Ato contínuo, para compensar essas perdas, os titulares, então, passariam a aumentar o custo para a licença de suas obras para os canais de televisão, custo esse que, no caso da TV por assinatura, seria diretamente repassado ao consumidor, e, no caso da TV aberta, daria ensejo a uma cadeia de aumentos que passaria pelo valor das inserções publicitárias até a sua capilarização e o aumento de preços dos produtos anunciados ao consumidor final.
Outra hipótese seria a diminuição da oferta, na TV aberta ou mesmo na TV por assinatura, das obras por receio da chamada pirataria.
Assim, economicamente, o consumidor até poderia vir a marginalmente pagar mais pelo sistema de restrição de cópia na TV digital brasileira, mas esse pagamento não seria comparável às conseqüências que a ausência do DRM poderia acarretar. Juridicamente, nossa Constituição Federal, de fato, ao conceder isenção fiscal à radiodifusão, assim o faz se ela for "livre e gratuita". Dúvidas não há de que a gratuidade permanecerá, como o professor Ronaldo Lemos salientou, mas, ao mesmo tempo, ele colocou em xeque o adjetivo "livre".
Ora, "livre" não é sinônimo de "passível de ser pirateado" ou de "livre para todos fazerem o que bem entenderem". Esse raciocínio é extremamente perigoso, pois transfere a mística e errônea cultura de "liberdade" na internet para o âmbito da televisão. Não há liberdade para copiar nem na internet nem na TV. Nossa Constituição Federal de 1988, ao inserir o adjetivo "livre", o fez para descrever "acessível por todos".
Em âmbito infraconstitucional, se poderia argumentar que a Lei de Direitos Autorais (lei nš 9.610/98), ao determinar que não constitui ofensa aos direitos autorais a cópia de pequenos trechos de obras (artigo 46, inciso II), exigiria que os titulares permitissem essa cópia. Nada mais equivocado. Não é uma ofensa aos direitos, mas os titulares não estão obrigados a facilitar a cópia por terceiros. A lei, aliás, determina que é ofensa aos direitos autorais a cópia integral de obras, para qualquer fim.
A mesma lei, ainda, permite expressamente que os titulares dos direitos distribuam suas obras com o DRM, pois determina que responderá por perdas e danos quem alterar, suprimir ou inutilizar sinais codificados para evitar a cópia de obras (artigo 107, inciso III).
Finalmente, sob a ótica da política, se, conforme afirma o professor Ronaldo Lemos, os mecanismos são ineficazes, por que retirar o direito das emissoras e titulares de tentar proteger seu conteúdo?
Proteger o direito de copiar pequenos trechos, em nosso entendimento, não pode servir de pretexto para facilitar a pirataria, o que acabaria inibindo a produção e a distribuição de obras.
A ausência do sistema de restrição de cópia, assim, tende a ser mais prejudicial ao interesse público do país do que sua presença, e, como a cópia privada integral já é vedada pela legislação, nada muda para o consumidor.

ATTILIO GORINI , 35, advogado, mestre em entretenimento e mídia pela Faculdade de Direito da Southwestern University (Los Angeles, EUA), e RODRIGO BORGES CARNEIRO , 35, mestre em propriedade intelectual pela Faculdade de Direito John Marshall (Chicago, EUA), são advogados e professores da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).


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