São Paulo, quinta-feira, 16 de julho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES


Reflexões de um caixeiro viajante

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA


O país melhorou nos últimos 40 anos, mas ainda temos carências e, para completar, diria que falta planejamento de longo prazo


AO PARTICIPAR de um seminário em Madrid, organizado pela Fundación Iberoamericana e Felaban/Pnud, sobre o papel dos bancos na recuperação econômica, refletia como as coisas mudaram nos últimos 40 anos e meus registros como um frequente viajante "vendendo" o Brasil no exterior.
Nos anos 60, quando trabalhava na Deltec, minhas primeiras incursões ao exterior tinham função didática. O Brasil era um país desconhecido, e a nós competia explicar seu funcionamento, sua estrutura institucional, sua economia e suas finanças, bem como o incipiente mercado de capitais que obstinadamente buscávamos promover e para cujo desenvolvimento buscávamos criar condições.
Nos anos 70, começamos a ter produtos diferenciados para oferecer no exterior que atraíam investidores mais atentos para uma diversificação de carteira em um país exótico -como éramos vistos. Mal comparando, seria como se hoje um investidor brasileiro estivesse diversificando seu portfólio investindo em algum país africano de grande potencial (como os chineses estão fazendo).
Mais tarde, com as sucessivas crises da Bolsa e o agravamento da inflação, nossa missão no exterior era explicar o inexplicável. Os investidores estrangeiros tinham dificuldade em entender como uma economia inflacionária, movida a correção monetária e altas taxas de juros funcionava.
Éramos vistos como um país de difícil compreensão que não podia ser levado a sério sem ter moeda. Sentia-me constrangido quando éramos vistos como um país não confiável. Com o Plano Real, privatizações e políticas macroeconômicas consistentes mantidas, a situação alterou-se. Com a abundância de capitais buscando alternativas atraentes, o país passou a ser visto com outros olhos.
O Brasil não saiu da mira dos investidores, bastando lembrar que, nos 12 meses encerrados em maio, o volume de investimentos diretos chegou a US$ 42 bilhões, um número realmente surpreendente. Na Bolsa, esses investidores tiveram um peso importante na recuperação de mercado, tal como no lançamento da VisaNet, R$ 8,4 bilhões subscritos em torno de 60% por aplicadores externos, o maior lançamento público de ações já ocorrido no Brasil e o de maior porte em todos os mercados mundiais no primeiro semestre de 2009.
Quando nos comparamos com outros países da região, à exceção de Chile, Peru e Colômbia, podemos constatar que estamos numa posição diferenciada. Somos vistos no exterior com outros olhos, e a presença brasileira é inquestionável.
Se essa posição nos enche de orgulho, não devemos esquecer que temos ainda muito chão pela frente. Nesses e em outros encontros, venho alternando minha atitude, buscando reconhecer os progressos alcançados pelo país, mas, ao mesmo tempo, sem ufanismo, atestar nossa realidade. Não podemos cometer os erros de algumas empresas que cultivam resultados atuais e não olham o longo prazo.
Vale mensurar como grandes desafios uma taxa de investimento baixa, na casa dos 17% do PIB. Nossa carga fiscal é elevada, como acaba de ser mais uma vez constatado em 2008: 35,8% do PIB. Em contrapartida, o país não oferece à sociedade os benefícios compatíveis com tal volume de impostos, o maior da região.
As reformas não andam, e Lula, com prestígio aqui e lá fora, não conseguiu acelerar reformas fundamentais no Congresso. Ameaçamos mudar, mas ficamos na mesma. A segurança pública é também um tema que não tem recebido a prioridade necessária. É inaceitável a situação que vivemos nas grandes capitais. Fica-se com a sensação de que é uma fatalidade à qual não podemos nos conformar.
Para completar, diria que sentimos falta de um planejamento de longo prazo. O que o Brasil quer ser nos próximos 10, 20, 30 anos? Quando olhamos outros países, como a China, sabemos aonde querem chegar. É verdade que seu sistema político não é propriamente modelo de abertura, mas não deve servir de desculpa para não nos posicionarmos com clareza em relação ao futuro.
As eleições de 2010 estão na esquina. É o momento de refletirmos na escolha daqueles que irão nos conduzir ao futuro, potencializar nossas vantagens e diminuir as desigualdades sociais, pois, apesar dos esforços governamentais, tudo aponta ainda para um longo caminho a percorrer.

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA, 74, economista, é sócio-fundador da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e membro do conselho de administração da SulAmérica. Foi o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e presidiu o Conselho de Empresários da América Latina.


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