São Paulo, sábado, 16 de julho de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise nos países europeus ameaça a zona do euro?

NÃO

Quem tem padrinho não morre pagão

ROBERTO LUIS TROSTER

É paradoxal, mas a maior crise desde a criação do euro vai torná-lo ainda mais forte.
Há dois motivos para isso. O primeiro é econômico: o custo de desmantelar o euro, ou de excluir um de seus membros, é consideravelmente superior ao de consertar os estragos atuais; o segundo, mais importante, é a transcendência da moeda, que deixou de ser um projeto comum de cidadãos da Alemanha, da França e de outros países para se tornar projeto de europeus.
A moeda única faz parte de um processo que começou na década de 1920, com a proposta de uma confederação europeia.
Em 1946, Winston Churchill defendeu a criação dos "Estados Unidos da Europa" e, em 1950, o primeiro passo concreto foi dado, com o embrião do projeto, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, com seis países-membros.
Atualmente, são 27 Estados nacionais, com uma população de 450 milhões de habitantes e mais de um quinto do PIB mundial. É um projeto de futuro que não tem volta.
O Tratado de Maastrich, que, entre outras coisas, criou a moeda única, foi assinado em 1992 e implantado a partir de 1999.
A consolidação da gestão da moeda deu aos países mais estabilidade cambial e monetária, gerou sinergias empresariais e bem-estar dentro da Europa e reduziu consideravelmente o custo do crédito.
Alguns países decidiram ficar fora do euro: a Inglaterra é um deles, mas pesquisas mostram que seus cidadãos acreditam que a adoção será inevitável no futuro.
A origem dos atuais problemas está, por um lado, em uma ironia: o barateamento do custo do crédito, uma virtude da moeda única, induziu a um endividamento excessivo de alguns países. Por outro lado, está na governança do BCE (Banco Central Europeu), que ainda não está preparado para solucionar o que aconteceu.
Na sua concepção, a magnitude dos problemas que poderiam aparecer foram subestimados; com isso, o papel do BCE e a sua capacidade de prevenir e de resolver crises ficaram reduzidos.
Ainda faltam definições de quanto pode emprestar, de como restringir o endividamento excessivo. Faltam também recursos e autoridade para atuar de forma contundente quando aparecerem dificuldades.
Com a crise mundial de 2008, houve uma retração na oferta de empréstimos e uma deterioração nos termos: taxas mais altas e prazos mais curtos. Isso fez com que a dinâmica das dívidas soberanas piorasse; em alguns casos, fez com que piorasse muito.
O caso da Grécia é o mais dramático. O país está numa armadilha da qual não consegue sair, com um BCE ainda sem a capacidade necessária de solucionar o problema.
É imperativo resolver o drama grego e criar mecanismos para prevenir crises futuras e mitigar seus efeitos. Isso envolve uma engenharia econômico-financeira que inclui reestruturação de dívidas, com perdas a serem absorvidas pela Grécia, pelo BCE, pelos credores e pelos demais países do euro.
Como costurar o projeto e dividir a conta é algo complexo. Alcançar um compromisso rápido com todos os envolvidos é uma tarefa hercúlea. As partes, contudo, estão empenhadas em concluí-la logo.
O projeto do euro é um projeto ganhador: há mais países interessados em fazer parte dele e as cotações da moeda corroboram sua força. A integração do continente avança, mas ainda é fraca.
Há desequilíbrios a serem corrigidos, alguns com recursos, outros com reformas e educação, o que demora. Mas o tempo do euro é outro e está sendo construído para durar.

ROBERTO LUIS TROSTER é doutor em economia pela USP. Foi economista-chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati e professor da USP, da PUC-SP e da Universidade Mackenzie.
Email: robertotroster@uol.com.br.

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