São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A força da comunidade

FRANCISCO NEVES

A fonoaudióloga Laura Bierrenbach já tem compromisso marcado para amanhã. Nada de passeios, viagens, compras. Ela estará com a família e amigos, muitos amigos. A exemplo do que ocorre desde 1994, ela dedicará o terceiro sábado de agosto a uma causa que mobiliza um número crescente de cidadãos: o combate ao câncer infanto-juvenil, que se manifesta, a cada ano, em 7.100 brasileiros.
Laura é uma das milhares de voluntárias (e voluntários) que vão trabalhar em prol do McDia Feliz, campanha promovida pelo Instituto Ronald McDonald. A exemplo das 13 edições anteriores, nas quais foram arrecadados mais de R$ 30 milhões, os recursos obtidos com a venda, no dia 17, do sanduíche Big Mac (deduzidos os impostos) serão destinados a 70 instituições -como hospitais e casas de apoio-, seis a mais que as beneficiadas em 2001. O volume distribuído às instituições no ano passado chegou a R$ 6,71 milhões, em um único dia.
Essas marcas foram atingidas com a colaboração da fonoaudióloga -seguida pelo marido, os três filhos e a nora, que também participam do evento- e de um exército de 34 mil outros voluntários anônimos. A eles o Brasil deve importantes conquistas na luta contra o câncer. Há 15 anos, segundo o Instituto Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde, o índice médio de cura da doença na faixa de 0 a 18 anos de idade, depois da detecção e do tratamento, era de 35%. Hoje, de acordo com a mesma fonte, o percentual se encontra na casa de 70%, índice semelhante ao das nações desenvolvidas.
Claro, ao longo desse período a medicina desenvolveu armas mais eficazes para combater o mal. Mas, faço questão de destacar, o próprio Ministério da Saúde já considera o envolvimento da comunidade fator essencial para o combate ao câncer infanto-juvenil. E essa participação, os números comprovam, é expressiva.
Em levantamento que realizamos no Instituto Ronald McDonald, foram identificadas nada menos que 178 instituições envolvidas com a causa, Brasil afora. Desse total, conseguimos cadastrar 130, grupo que conta com uma legião de 6.557 cidadãos que dedicam de duas a quatro horas por semana a jovens com câncer.


O Ministério da Saúde já considera o envolvimento da comunidade fator essencial para o combate ao câncer infanto-juvenil


A ação dessas pessoas, não tenho dúvida, vai levar a novas conquistas. É o comprometimento delas que pressiona hospitais e autoridades para dar maior suporte ao tratamento de crianças e adolescentes, contratar oncologistas pediátricos, comprar equipamentos mais modernos e a investir na construção de Centros de Alta Complexidade em Oncologia. Conhecidos como Cacons, esses hospitais são referência no tratamento de câncer e somam 46 no país, segundo pesquisa da Fundação Banco do Brasil. O número não é desprezível, mas há um problema: a maioria deles está concentrada no Sudeste, principalmente em São Paulo.
Permitir que todo o jovem com câncer receba tratamento em seu Estado é, portanto, um dos desafios que temos pela frente. Outro, ainda mais árduo, é elevar o índice de diagnóstico do câncer infanto-juvenil, hoje na casa de 64,7%.
Isso significa que, a cada ano, cerca de 2.500 novos casos não são diagnosticados nessa faixa etária. Sem nenhuma chance diante da doença, esses garotos e garotas, em sua maioria carentes, respondem por dois terços dos 3.800 óbitos causados pelo câncer anualmente entre menores de idade. Ao conseguirmos detectar esses casos a tempo, 1.750 vidas serão salvas.
Seria fácil culpar o governo por tal tragédia. No entanto, é preciso lembrar, o Brasil é um país de recursos limitados. Sendo assim, a força e a determinação da comunidade têm, aqui, importância extraordinária na superação de dificuldades. A sociedade brasileira compreende isso e vem assumindo o papel de agente de transformação social.
A fonoaudióloga Laura Bierrenbach -também voluntária do Graac (Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente com Câncer)- é prova disso. Que seu exemplo, e o de milhares de outros cidadãos brasileiros, prospere. E que eles continuem seguindo as lições de São Francisco de Assis: "Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e, de repente, você estará fazendo o impossível".


Francisco Neves, 52, engenheiro, é secretário-executivo do Instituto Ronald McDonald.



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