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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A proposta de reforma da Previdência merece apoio dos deputados do PT?

SIM

O que não fazer?

LINDBERG FARIAS

A votação da reforma da Previdência esquentou o debate sobre o governo Lula entre velhos militantes da esquerda. Alguns, em especial sindicalistas do funcionalismo público, já falam em sair do PT, acompanhando os parlamentares que votaram contra o governo e que provavelmente serão expulsos do partido. Esse, a meu ver, é um grave erro político. A saída do partido dos que têm posição mais à esquerda favorece a consolidação das forças mais conservadoras no governo e fora dele.
Quero alertar aos mais desavisados que a opção que alguns fizeram pelo tensionamento às últimas consequências faz parte de uma estratégia política. Querem ser expulsos do PT. Crêem que chegou a hora da construção de um novo partido, este verdadeiramente revolucionário. No fundo, estão presos a um velho esquema: o da Revolução Russa, de 1917. Ou melhor, a uma leitura equivocada e esquemática de seus feitos. Lula seria uma espécie de Kerensky, e sua chegada ao governo a senha para, como os bolcheviques, denunciar o governo e preparar o caminho para um levante insurrecional das massas ou a consolidação de nova direção revolucionária.
Esquecem das lições do próprio Lênin: "A essência da tática é a correlação de forças". É de uma cegueira política atroz não enxergar que momento histórico vive o mundo. Ignoram o fato de enfrentarmos um período dominado pela máquina agressora do império norte-americano e de profunda defensiva das forças de esquerda. No Brasil, a situação não é diferente. Ou alguém acha que a real disputa do governo é com a incipiente oposição de esquerda?
Não, a disputa é com a direita, que já começou a colocar suas garras de fora com o discurso de criminalização dos movimentos sociais e a criação de um clima artificial de descontrole e falta de autoridade do governo. É a repetição do velho e carcomido discurso da ordem.
Não creio na possibilidade de uma ultrapassagem pela esquerda a Lula e ao PT. Se o governo for derrotado, não vem o PSTU; voltam os tucanos e o PFL. Não é hora, portanto, de criar um movimento de oposição pela esquerda, mas de fortalecer uma ala à esquerda no governo e no PT que pressione e exija mudanças de rumos. A falta de uma avaliação equilibrada dessa correlação de forças pode levar uns a pensarem que agem como os portadores da coerência, quando na verdade estão sendo usados como inocentes nas mãos da direita.
E, já que falamos da Revolução Russa, não custa lembrar que, antes de outubro, houve as Jornadas de Julho, manifestações precipitadas e esquerdistas condenadas por Lênin e Trótski, que abriram caminho para a ascensão do general Kornilov e a prisão das principais lideranças do povo. Ao meu ver, ações como a tentativa de invadir o Congresso e o próprio discurso de oposição de esquerda a Lula estão mais próximas dos equívocos das jornadas do que dos acertos de outubro.
Mas a minha preocupação não é com esses pequenos grupos e sim com inúmeros militantes e simpatizantes que, tomados pela decepção com os primeiros meses do governo, ameaçam acompanhá-los e deixar o PT. Entendo a frustração. A agenda das reformas e a política econômica mostram que até agora não houve um rompimento com as políticas neoliberais. Até entre os que concordam com a lógica inicial de busca de uma relação de confiança com o mercado, há os que vêem erro na dosagem. O aumento das metas de superávit primário para 4,25% do PIB e as taxas de juros exageradas paralisaram a economia.
No entanto, creio que o jogo ainda não acabou. Não está descartada a possibilidade de correção de rumos. São cada vez mais visíveis as contradições dentro do governo. Se, por um lado, predomina uma visão excessivamente fiscalista e monetarista, cresce o coro daqueles que avaliam que "o tempo encurtou" e defendem uma revisão de critérios no acordo com o FMI -há até quem defenda que não devemos assinar um novo acordo- para garantir uma folga orçamentária para gastos sociais e investimentos, indispensáveis para a retomada do crescimento. Não há como crescer sem investimentos públicos.
O fato é que o jogo não acabou. Ao contrário, está esquentando. Temos de apostar em uma aliança ampla de forças que juntem do mesmo lado os trabalhadores e os setores produtivos do empresariado contra essa hegemonia asfixiante do sistema financeiro; os setores da esquerda do PT e dos movimentos sociais com a parte do governo que começa a entender que essa é a hora de iniciar o descarte desse entulho monetarista. É nessa batalha que o futuro do governo Lula será decidido. Se persistir a política atual, perde o Lula e toda a esquerda. Volta a direita. Se, por outro lado, o governo entrar em uma outra fase que privilegie o crescimento econômico e a geração de empregos, teremos uma vitória, que, apesar de parcial, será importantíssima. Ela nos dará um tempo maior na espera de uma alteração na correlação de forças em nível internacional que poderá abrir possibilidades para saltos maiores.


Lindberg Farias, 33, estudante de direito, é deputado federal pelo PT-RJ


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