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TENDÊNCIAS/DEBATES
A proposta de reforma da Previdência merece apoio dos deputados do PT?
NÃO
Reforma para que e para quem?
IVAN VALENTE
A expectativa popular do início
do governo Lula era de que houvesse um redirecionamento da política
econômica de FHC. Assim, o país retomaria o desenvolvimento, enfrentando
o gravíssimo problema do desemprego
e da péssima distribuição de renda. Essa
era a agenda positiva do governo eleito
com espetacular empuxo de mudança.
Ao contrário, o governo assume como
prioridade uma reforma da Previdência
que atinge direitos dos servidores, com
cortes de benefícios e mudanças de regras. Feita com pressa e submetida aos
ditames do FMI, ela só poderia ter a lógica do ajuste fiscal e atendimento às
pressões do mercado. Não ataca o problema estrutural da Previdência: a exclusão de 40 milhões de trabalhadores
de qualquer proteção social. Portanto,
não procede o argumento de que os
"privilégios" dos servidores atuais e dos
aposentados impedem uma expansão e
direção do gasto público para beneficiar
outros trabalhadores. A reforma não fará transferência de renda por meio do
Estado nem do mercado aos mais pobres. O que ocorrerá é a drenagem de
recursos de servidores que ganham
mais de R$ 2.400 e do Estado para o
mercado financeiro, usando os Fundos
de Pensão Complementar, que serão
privados. Nesse caso, não há garantias
de que a especulação financeira não devore a aposentadoria dos servidores.
Entre as providências imediatas para
combater supersalários e distorções na
remuneração e benefícios das carreiras
de Estado, medida justa seria estabelecer um teto salarial e aposentadorias
que atraiam bons profissionais para o
setor público, garantindo qualidade e
eficiência na máquina governamental,
mas sejam defensáveis na sociedade. O
inaceitável é que servidores, em sua
maioria ganhando mal, sejam satanizados como "marajás" e responsabilizados por "rombos" que não criaram. Essa propaganda enganosa, ventilada em
setores da grande mídia, não serve à
causa republicana e à democracia. Na
prática, a reforma visa a esconder que o
grande problema é a dívida pública, os
monumentais juros e amortizações, a
sonegação fiscal e a falta de uma reforma que faça justiça tributária e social.
Não há "rombo" ou "déficit", nem no
Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) nem no Regime Próprio dos
Servidores Públicos. No primeiro caso
porque o orçamento da Seguridade Social, na qual está embutida a Previdência Social e gastos com a Saúde e Assistência Social, é superavitário em R$ 32
bilhões (2002). No caso do funcionalismo, nunca houve sistema de contribuições e benefícios. Por isso, é essencialmente administrativo. Os servidores
contribuem hoje com 11% sobre o total
dos seus vencimentos. O Estado, por
sua vez, não faz a contrapartida como o
patronato o faz no setor privado. O Tesouro paga as aposentadorias com a receita de impostos como ocorre com a
educação e outras despesas. O que se
exibe como "déficit" é a diferença entre
a contribuição dos servidores e o gasto
com aposentadorias e pensões (R$ 39
bilhões/ano). Se o governo quer economizar R$ 2 bilhões/ano com a reforma,
cortando benefícios e suprimindo direitos, fica claro que ela não resolve o suposto "rombo" da Previdência.
No RGPS, considerando só as contribuições e benefícios neste ano, o desequilíbrio chega a R$ 26 bilhões. A solução não é o corte de benefícios, mas o
crescimento, atacando o desemprego e
a informalidade no trabalho, aumentando a arrecadação da Previdência, cobrando as dívidas de empresas e governos (R$ 153 bilhões), e acabando com as
isenções de entidades "filantrópicas"
por onde escoam R$ 12 bilhões ao ano.
No setor público, as condições que
permitiram a passagem da maioria dos
servidores, que eram celetistas antes de
1988, ao regime estatutário, causando
um inchaço de aposentadorias, não se
repetirão. Desde 1989, o Estado é enxugado dentro da lógica neoliberal do Estado Mínimo -nos últimos 13 anos
caiu em 150 mil o número de servidores
federais. E, apesar de ter subido o número de aposentados, caiu o gasto com
aposentadorias e pensões em relação ao
PIB e à receita líquida de impostos.
Implementados os Fundos de Pensão
no Setor Público para os novos servidores, as despesas dos entes federados aumentam. Os governos devem contribuir com os Fundos e deixam de arrecadar com a cobrança sobre o total de vencimentos acima de R$ 2.400.
Uma proposta que desarticula e enfraquece o Estado e desestimula o serviço
público prejudica ainda mais os excluídos, usuários dos serviços de saúde e
educação públicos, necessitados de um
Estado forte. Mas é crucial que o partido
no governo mantenha a coerência com
ações e votos que exercitaram por longo
tempo no debate previdenciário no
Congresso. Entendemos que a proposta
de reforma do governo não guarda fidelidade com a história, a trajetória do PT
e sua relação umbilical com os movimentos sociais organizados. Por isso,
não emprestamos nosso voto à aprovação dela na Câmara dos Deputados.
Ivan Valente, 57, é deputado federal pelo PT-SP
e membro do Diretório Nacional do partido.
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