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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A proposta de reforma da Previdência merece apoio dos deputados do PT?

NÃO

Reforma para que e para quem?

IVAN VALENTE

A expectativa popular do início do governo Lula era de que houvesse um redirecionamento da política econômica de FHC. Assim, o país retomaria o desenvolvimento, enfrentando o gravíssimo problema do desemprego e da péssima distribuição de renda. Essa era a agenda positiva do governo eleito com espetacular empuxo de mudança.
Ao contrário, o governo assume como prioridade uma reforma da Previdência que atinge direitos dos servidores, com cortes de benefícios e mudanças de regras. Feita com pressa e submetida aos ditames do FMI, ela só poderia ter a lógica do ajuste fiscal e atendimento às pressões do mercado. Não ataca o problema estrutural da Previdência: a exclusão de 40 milhões de trabalhadores de qualquer proteção social. Portanto, não procede o argumento de que os "privilégios" dos servidores atuais e dos aposentados impedem uma expansão e direção do gasto público para beneficiar outros trabalhadores. A reforma não fará transferência de renda por meio do Estado nem do mercado aos mais pobres. O que ocorrerá é a drenagem de recursos de servidores que ganham mais de R$ 2.400 e do Estado para o mercado financeiro, usando os Fundos de Pensão Complementar, que serão privados. Nesse caso, não há garantias de que a especulação financeira não devore a aposentadoria dos servidores.
Entre as providências imediatas para combater supersalários e distorções na remuneração e benefícios das carreiras de Estado, medida justa seria estabelecer um teto salarial e aposentadorias que atraiam bons profissionais para o setor público, garantindo qualidade e eficiência na máquina governamental, mas sejam defensáveis na sociedade. O inaceitável é que servidores, em sua maioria ganhando mal, sejam satanizados como "marajás" e responsabilizados por "rombos" que não criaram. Essa propaganda enganosa, ventilada em setores da grande mídia, não serve à causa republicana e à democracia. Na prática, a reforma visa a esconder que o grande problema é a dívida pública, os monumentais juros e amortizações, a sonegação fiscal e a falta de uma reforma que faça justiça tributária e social.
Não há "rombo" ou "déficit", nem no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) nem no Regime Próprio dos Servidores Públicos. No primeiro caso porque o orçamento da Seguridade Social, na qual está embutida a Previdência Social e gastos com a Saúde e Assistência Social, é superavitário em R$ 32 bilhões (2002). No caso do funcionalismo, nunca houve sistema de contribuições e benefícios. Por isso, é essencialmente administrativo. Os servidores contribuem hoje com 11% sobre o total dos seus vencimentos. O Estado, por sua vez, não faz a contrapartida como o patronato o faz no setor privado. O Tesouro paga as aposentadorias com a receita de impostos como ocorre com a educação e outras despesas. O que se exibe como "déficit" é a diferença entre a contribuição dos servidores e o gasto com aposentadorias e pensões (R$ 39 bilhões/ano). Se o governo quer economizar R$ 2 bilhões/ano com a reforma, cortando benefícios e suprimindo direitos, fica claro que ela não resolve o suposto "rombo" da Previdência.
No RGPS, considerando só as contribuições e benefícios neste ano, o desequilíbrio chega a R$ 26 bilhões. A solução não é o corte de benefícios, mas o crescimento, atacando o desemprego e a informalidade no trabalho, aumentando a arrecadação da Previdência, cobrando as dívidas de empresas e governos (R$ 153 bilhões), e acabando com as isenções de entidades "filantrópicas" por onde escoam R$ 12 bilhões ao ano.
No setor público, as condições que permitiram a passagem da maioria dos servidores, que eram celetistas antes de 1988, ao regime estatutário, causando um inchaço de aposentadorias, não se repetirão. Desde 1989, o Estado é enxugado dentro da lógica neoliberal do Estado Mínimo -nos últimos 13 anos caiu em 150 mil o número de servidores federais. E, apesar de ter subido o número de aposentados, caiu o gasto com aposentadorias e pensões em relação ao PIB e à receita líquida de impostos.
Implementados os Fundos de Pensão no Setor Público para os novos servidores, as despesas dos entes federados aumentam. Os governos devem contribuir com os Fundos e deixam de arrecadar com a cobrança sobre o total de vencimentos acima de R$ 2.400.
Uma proposta que desarticula e enfraquece o Estado e desestimula o serviço público prejudica ainda mais os excluídos, usuários dos serviços de saúde e educação públicos, necessitados de um Estado forte. Mas é crucial que o partido no governo mantenha a coerência com ações e votos que exercitaram por longo tempo no debate previdenciário no Congresso. Entendemos que a proposta de reforma do governo não guarda fidelidade com a história, a trajetória do PT e sua relação umbilical com os movimentos sociais organizados. Por isso, não emprestamos nosso voto à aprovação dela na Câmara dos Deputados.


Ivan Valente, 57, é deputado federal pelo PT-SP e membro do Diretório Nacional do partido.


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