São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Que PT sairá da crise?

IDELI SALVATTI

O momento é difícil, dolorido e só será superado se o Partido dos Trabalhadores assumir com coragem seus erros. Em meio ao furacão da crise, entre pilhas de documentos para estudar, depoimentos contraditórios para analisar e a tarefa de seguir uma linha séria e profunda de investigação na CPMI dos Correios, busco tempo também para refletir sobre o que, afinal, aconteceu com o PT. Uma investigação, portanto, completa e complexa. Que não só vasculha os outros mas também nos coloca como investigados, em franca contradição com um dos motivos pelos quais o PT ganhou milhões de votos: o combate à corrupção. Que olha para princípios que nortearam caminhos mas não deixa de ver práticas que criaram desvios. E que me coloca todo dia ante a questão: que PT sairá dessa crise?


O PT deve pedir desculpas pelos erros que cometeu. Sofremos um forte golpe. Reerguer-se significa ir a fundo nas investigações


Parte da resposta passa por reconhecer que o PT firmou-se em grande parte sobre um pilar que se mostrou insuficiente para sustentar um partido político, ainda mais em momentos de crise. A ética é um valor que deveria ser obrigação de todos. Em meio a uma história de corrupção e com tantos maus exemplos dos principais partidos, a bandeira da ética, embora justa, transformou-se praticamente em uma linha ideológica e em um dos principais programas do PT. De certa forma, foi um caminho mais fácil, quem sabe um atalho, para chegar a amplos setores da sociedade e conquistar sua simpatia e confiança.
A imagem do PT foi formada pelo perigoso e por vezes arrogante discurso de deter o monopólio da ética na política. O grande problema deste tipo de pilar, além de não ser ideológico nem programático, é que seu "material" está sujeito às falhas inerentes ao ser humano. Mais ainda quando o ser humano, no caso, está exposto às pressões do poder, especialmente em um Estado extremamente vulnerável aos interesses privados.
O PT conquistou parcelas cada vez maiores do poder sem acionar de forma sistemática mecanismos coletivos capazes de exercer um controle sobre ações individuais e interesses particulares conflitantes com a ética. O resultado, quando uma crise como a atual aflora, em que desvios éticos particulares são determinantes, é que o pilar se quebra com grande rapidez e facilidade. Com a estrutura abalada, o risco de um desabamento atinge o partido como um todo, compromete conquistas ideológicas e programáticas de 25 anos de história e mancha drasticamente sua imagem.
A reconstrução do PT passa por fortalecer outros pilares. O ideológico deve destacar a sociedade que queremos, com desenvolvimento, solidariedade e justiça social. Os programas aplicados nas administrações petistas, por sua vez, demonstram na prática o que já estamos fazendo para construir desde já essa nova sociedade. O pilar que dá sentido a tudo, à militância incansável, aos sonhos que não morrem, à ideologia e aos programas é aquele que está na origem e, mais do que nunca, deve estar no futuro deste novo PT que precisa ressurgir da crise. É feito também de nossas verdadeiras bandeiras, como a inclusão social, cultural e econômica dos setores historicamente esquecidos pelo poder. O PT, que tanto tem a mostrar sobre essa postura e que de fato o diferencia de outros, deve proceder toda mudança necessária justamente para que não mude no essencial: o lado que escolheu, o lado em que deve permanecer, ao lado dos excluídos.
O PT deve, sim, pedir desculpas à sociedade por erros que cometeu. Já vi alguns políticos petistas dizerem isso, mas parece que ainda não "colou". Parece que vai demorar um tempo para que nosso pedido de desculpas seja aceito. E entendo perfeitamente. Temos que ter a coragem de ouvir o "pito" da sociedade sem a mesma arrogância que nos colocou em situações como essa. Com humildade, é preciso reconhecer que a reconquista da confiança só virá com iniciativas práticas e nova postura.
Sofremos um forte golpe. Reerguer-se significa ir a fundo nas investigações e punir exemplarmente nossos filiados envolvidos em corrupção. Mas devemos, além de tudo, ser firmes ao apresentar fatos que ajudem a sociedade a entender o papel da privatização do Estado na constituição de tantos esquemas de corrupção. Sem um controle público eficaz sobre o Estado, em contraposição ao controle privado, fica difícil ir à raiz do problema.
Sucessivas CPIs poderão até podar a corrupção, mas ela voltará a crescer. Acusado e acuado, o PT está perdendo o debate de fundo, sobre os corruptores. Na superfície de um terreno fértil, cresce e se alastra o discurso que se restringe aos corruptos. Puni-los é essencial, mas só existem corruptos se houver corruptores. No lamaçal geral, o PT mancha-se antes de tudo por seus próprios erros: por ter se achado o único dono das virtudes éticas, mas também por não ter feito, no tempo certo, a denúncia pública dos corruptores instalados historicamente no aparelho de Estado, em todos os níveis. Ainda temos tempo para corrigir os rumos, se houver disposição. E tanto quanto acredito no PT e em uma nova sociedade, estou certa de que essa disposição não nos faltará.

Ideli Salvatti, 53, professora licenciada em física pela Universidade Federal do Paraná, senadora pelo PT-SC, é vice-líder do governo no Senado e membro da CPMI dos Correios.


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