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TENDÊNCIAS/DEBATES
Americanismo e antiamericanismo
HUMBERTO BRAGA
A principal afinidade entre Brasil e EUA consiste em ambos serem bem integrados à civilização ocidental e terem regime democrático
Do ponto de vista político, o americanismo era compreensível durante a Guerra Fria. Tratava-se de
enfrentar a ameaça de expansão do
comunismo e por isso o alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos era inevitável.
O antiamericanismo, hoje, tem
seus principais defensores em nostálgicos radicais de esquerda que
viam naquela superpotência o bastião do detestado capitalismo.
Sob o aspecto cultural, poucas
são as afinidades entre os povos
brasileiro e americano. Esta é uma
nação predominantemente de
brancos e protestantes cuja matriz
civilizatória foi anglo-saxônia.
O Estado lusitano, sob o signo da
Contrarreforma, na qual os jesuítas
tiveram um grande desempenho,
formou o Brasil, ao passo que os Estados Unidos nasceram da ação de
imigrantes puritanos insubmissos
ao Estado britânico e à sua Igreja.
Já em 1824, o maior dos latino-americanos, Simon Bolívar (hoje
objeto de muitas desfigurações),
advertia que o destino histórico dos
povos que ele libertara não poderia
se confundir com o da América do
Norte, que ainda não era poderosa
militar e economicamente.
E é sabido que, de um modo geral, o americano médio tem escasso
apreço pelos naturais da América
Latina. A principal afinidade entre
Brasil e Estados Unidos consiste em
ambos serem bem integrados à civilização ocidental e praticarem o regime democrático, apesar de nossos graves acidentes de percurso.
Em 1940, quando a vitória na
guerra parecia pender para a Alemanha nazista, o ditador Getulio
Vargas, que pessoalmente nada tinha de germanófilo (ao contrário
de vários de seus auxiliares), pronunciou rumoroso discurso, interpretado como de solidariedade
ideológica ao eixo Berlim-Roma.
Os Estados Unidos, que se preparavam para intervir militarmente
contra o Terceiro Reich, precisavam dos nossos portos do Nordeste
como bases para a projetada invasão da África do Norte.
Entabularam-se imediatas negociações e, como resultado delas, o
governo americano deu o necessário apoio para a instalação da indústria pesada no nosso país. E
uma força expedicionária brasileira
partiu a combater os nazistas.
Para alguns, essa foi a maior
"chantagem" patriótica da nossa
história. Vargas certamente acreditava que, na política, o aliado incondicional vai para a última mesa.
O Brasil, hoje, pleiteia um lugar
permanente no Conselho de Segurança da ONU. Até agora não obteve explícito apoio americano a essa
pretensão. Por outro lado, não deve
incomodar o presidente Lula a existência de governos latino-americanos refratários à hegemonia norte-americana, pois é precisamente isso que lhe permite espaço para mediar, negociar.
Se toda a América Latina desse
irrestrita adesão aos Estados Unidos, o Brasil não seria mais que
uma ovelha na carneirada.
Será o caso de indagar agora: Lula, o pragmático, que não tem
quaisquer vínculos ideológicos ou
religiosos com o Irã, estaria tentando (sem saber) reproduzir a tática
de Vargas? E poderá ter êxito semelhante ao do seu grande antecessor? É o que o futuro irá dizer.
HUMBERTO BRAGA é conselheiro aposentado do
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e
professor aposentado de história do pensamento
econômico da Uerj (Universidade do Estado do Rio
de Janeiro).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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