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SÉRGIO DÁVILA
"Ahnold" e o
centro radical
Assim que o visitante começa a
identificar San Francisco ao longe, vindo do sul pela rodovia 101, dá de
cara com um outdoor com o próprio,
Arnold Schwarzenegger. Um susto.
Camiseta branca agarrada demarcando os braços ultramusculosos, risada forçada, o retrato do governador
do futuro vem ladeado por uma frase
bem-humorada. "Arnold diz: "A Califórnia quer seu negócio!" (na verdade,
ele diz Kah-li-fornia)", brinca o slogan, referindo-se ao eterno sotaque do
ex-mister universo austríaco.
A campanha, lançada há algumas
semanas, faz parte do esforço concentrado do governo e de empresários locais pela recuperação da economia da Califórnia, que ainda é o Estado mais
rico dos Estados Unidos e ainda detém o quinto PIB do mundo se comparado com outros países, mas, por
ser o lar do Vale do Silício e de nove
em cada dez empresas de tecnologia,
sentiu mais do que o resto do país o
solavanco causado pelo estouro da
bolha da internet.
Esqueça a publicidade, que deve dar
em nada como sempre, mas guarde o
rosto: Arnold Schwarzenegger, ou
"Ahnold", como o chama a mídia californiana, é a novidade da atual cena
política norte-americana. Esse Alexandre Frota local (se Alexandre Frota
falasse alemão e tivesse pretensões políticas) está sendo visto cada vez menos como uma piada de mau gosto
dos californianos e mais como uma
solução possível para a fantástica divisão ideológica que define o debate político no país desde o 11 de Setembro.
As palavras são de Jill Stewart: "O
centro radical mostrou sua força", escreveu a analista política, movida pela
participação do ex-ator na convenção
republicana que referendou a candidatura de George W. Bush, na semana
passada. Na ocasião, com a sutileza de
sempre, Ahnold retomou seu discurso
contra os "mariquinhas" ("girlie
men", no original), políticos que emperram as reformas apenas porque
não são do mesmo partido do autor
delas e empresários que reclamam da
situação, mas não fazem nada para
mudá-la. Foi a estrela do encontro.
A boa nova é que Ahnold faz a ponte
entre a esquerda dos republicanos e a
direita dos democratas. Republicano
ele próprio, mas casado com a jornalista Maria Shriver (Kennedy), uma
democrata sangue-azul, tem políticas
sociais liberais (não sobreviveria sem
elas no único Estado norte-americano
em que os brancos não são maioria e a
língua inglesa luta com a espanhola
pela hegemonia), mas é conservador
na economia e, na política externa, diz
fechar com a Doutrina Bush, aquela
que inverte a máxima cristã ao definir
que "quem não é por nós é contra
nós".
O centro radical. Alguém que faça
cafuné nos imigrantes que já estão
aqui dentro, mas que mostre o porrete
para os que querem vir de fora, eis o
sonho de consumo do amedrontado-mas-socialmente-culpado eleitor norte-americano nesta eleição presidencial, modelo que George W. Bush começa a perceber e a incorporar (daí
seu aumento recente nas pesquisas) e
que o democrata John Kerry teria tudo para personificar, mas talvez tenha
perdido a chance.
Recentemente, uma personalidade
pró-Schwarzenegger propôs a alteração na Constituição dos EUA que exige que o presidente tenha nascido no
país. Antes que isso aconteça, se é que
um dia acontecerá, Ahnold pode concorrer à reeleição para o governo do
Estado. De uma maneira ou de outra,
como ameaçava o exterminador do
futuro na hoje cultuada frase que dizia
na cinessérie, ele vai voltar.
Sérgio Dávila é correspondente da Folha na Califórnia.
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