São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004

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SÉRGIO DÁVILA

"Ahnold" e o centro radical

Assim que o visitante começa a identificar San Francisco ao longe, vindo do sul pela rodovia 101, dá de cara com um outdoor com o próprio, Arnold Schwarzenegger. Um susto.
Camiseta branca agarrada demarcando os braços ultramusculosos, risada forçada, o retrato do governador do futuro vem ladeado por uma frase bem-humorada. "Arnold diz: "A Califórnia quer seu negócio!" (na verdade, ele diz Kah-li-fornia)", brinca o slogan, referindo-se ao eterno sotaque do ex-mister universo austríaco.
A campanha, lançada há algumas semanas, faz parte do esforço concentrado do governo e de empresários locais pela recuperação da economia da Califórnia, que ainda é o Estado mais rico dos Estados Unidos e ainda detém o quinto PIB do mundo se comparado com outros países, mas, por ser o lar do Vale do Silício e de nove em cada dez empresas de tecnologia, sentiu mais do que o resto do país o solavanco causado pelo estouro da bolha da internet.
Esqueça a publicidade, que deve dar em nada como sempre, mas guarde o rosto: Arnold Schwarzenegger, ou "Ahnold", como o chama a mídia californiana, é a novidade da atual cena política norte-americana. Esse Alexandre Frota local (se Alexandre Frota falasse alemão e tivesse pretensões políticas) está sendo visto cada vez menos como uma piada de mau gosto dos californianos e mais como uma solução possível para a fantástica divisão ideológica que define o debate político no país desde o 11 de Setembro.
As palavras são de Jill Stewart: "O centro radical mostrou sua força", escreveu a analista política, movida pela participação do ex-ator na convenção republicana que referendou a candidatura de George W. Bush, na semana passada. Na ocasião, com a sutileza de sempre, Ahnold retomou seu discurso contra os "mariquinhas" ("girlie men", no original), políticos que emperram as reformas apenas porque não são do mesmo partido do autor delas e empresários que reclamam da situação, mas não fazem nada para mudá-la. Foi a estrela do encontro.
A boa nova é que Ahnold faz a ponte entre a esquerda dos republicanos e a direita dos democratas. Republicano ele próprio, mas casado com a jornalista Maria Shriver (Kennedy), uma democrata sangue-azul, tem políticas sociais liberais (não sobreviveria sem elas no único Estado norte-americano em que os brancos não são maioria e a língua inglesa luta com a espanhola pela hegemonia), mas é conservador na economia e, na política externa, diz fechar com a Doutrina Bush, aquela que inverte a máxima cristã ao definir que "quem não é por nós é contra nós".
O centro radical. Alguém que faça cafuné nos imigrantes que já estão aqui dentro, mas que mostre o porrete para os que querem vir de fora, eis o sonho de consumo do amedrontado-mas-socialmente-culpado eleitor norte-americano nesta eleição presidencial, modelo que George W. Bush começa a perceber e a incorporar (daí seu aumento recente nas pesquisas) e que o democrata John Kerry teria tudo para personificar, mas talvez tenha perdido a chance.
Recentemente, uma personalidade pró-Schwarzenegger propôs a alteração na Constituição dos EUA que exige que o presidente tenha nascido no país. Antes que isso aconteça, se é que um dia acontecerá, Ahnold pode concorrer à reeleição para o governo do Estado. De uma maneira ou de outra, como ameaçava o exterminador do futuro na hoje cultuada frase que dizia na cinessérie, ele vai voltar.


Sérgio Dávila é correspondente da Folha na Califórnia.


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